Imitadores de Deus


Efésios 5.1 Portanto, sejam imitadores de Deus, como filhos amados, 2e vivam em amor, como também Cristo nos amou e se entregou por nós como oferta e sacrifício de aroma agradável a Deus.


A maioria dos comentaristas concordam que a divisão de capítulos - que não é parte da inspiração divina, mas um arranjo relativamente moderno (1227) para facilitar o estudo da Bíblia - neste caso, é particularmente prejudicial. Paulo, na verdade, está concluindo o assunto iniciado no texto anterior. Faríamos muito bem, se levássemos em conta que o assunto ainda é a pureza da igreja e dos relacionamentos do povo de Deus. No texto anterior, o apóstolo admoestou os crentes: 


Efésios 4.25 Portanto, cada um de vocês deve abandonar a mentira e falar a verdade uns aos outros, pois todos nós somos membros de um mesmo corpo. 26“Quando ficarem irados, não pequem”. Não permitam que o sol se ponha enquanto durar a ira de vocês 27e não deem lugar ao Diabo. 28O que furtava não furte mais; antes, trabalhe, fazendo o que é bom com as próprias mãos, para que tenha o que repartir com quem estiver em necessidade. 29Nenhuma palavra torpe saia da boca de vocês, mas apenas a que for útil para edificar os outros, conforme a necessidade, para que transmita graça aos que a ouvem. 30 Não entristeçam o Espírito Santo de Deus, com o qual vocês foram selados para o dia da redenção. 31Livremse de toda amargura, indignação, ira, gritaria e calúnia, bem como de toda maldade. 32Sejam bondosos e compassivos uns para com os outros, perdoandose mutuamente, como Deus os perdoou em Cristo.


Alguém pode dizer que o que ele está ordenando é muito difícil. As tarefas de sermos verdadeiros, moderados, honestos, trabalhadores, bondosos, compassivos e ainda perdoando-se mutuamente podem ser demasiadamente desafiadoras para a maioria de nós. Por isso, o chamado dele para sermos imitadores de Deus. Calvino aponta que “Os filhos devem ser como os pais” e que Paulo “nos lembra que somos filhos de Deus, e que portanto, devemos, até onde pudermos, assemelhar-nos a ele em atos de beneficência”. A conclusão final do apóstolo é um chamado ao discipulado. Os seguidores de Cristo precisam ter o propósito de serem imitadores de Deus.


A convocação de imitar a Deus não é nova, reiteradamente, Jesus e os apóstolos enfatizaram que os crentes deveriam esforçar-se para serem imitadores de Deus (1Co 4.16; 1Co 11.1; 1Ts 1.6). Porém, o que significa ser imitador de Deus? Ser imitador de Deus ou de Cristo é o mesmo que ser seu discípulo. Somente os verdadeiros discípulos de Cristo poderão seguir os passos de seu Pai. Uma vez que a fé cristã é relacional e se expressa nas mais variadas experiências da vida real, a imitação torna-se a chave do discipulado. A ênfase da expressão está no exemplo de Cristo, em seu sacrifício na Cruz. Em vez de dar aos seus discípulos um livro de regras detalhadas, Cristo revelou nele mesmo um modelo a ser imitado por sua comunidade. Para Paulo, a morte de Cristo em que ele se entregou por nós, não é somente uma oferta de amor, perdão e salvação. Também é um modelo definitivo e correto para o discipulado. 


O chamado ao discipulado


Efésios 5.1 Portanto, sejam imitadores de Deus, como filhos amados…


É surpreendente como tão frequentemente Jesus e os apóstolos ordenem que os crentes devem esforçar-se para serem imitadores de Deus.  O evangelista Marcos registrou o momento em que Cristo convoca seus seguidores a serem seus discípulos:


Marcos 8.34 Então, convocando a multidão e juntamente os seus discípulos, disse-lhes: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me. 35Quem quiser, pois, salvar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a vida por causa de mim e do evangelho salvá-la-á.


Jesus estabelece os pilares do discipulado: 


  1. O discipulado começa com o princípio do chamado incondicional. Nenhum indivíduo pode se oferecer para ser discípulo de Cristo, por outro lado, aqueles que foram chamados para tal honraria devem responder com prontidão. Uma prontidão limitada, não é prontidão alguma, quando estamos falando de seguir Cristo. O chamado para ser discípulo de Cristo é uma ordem incondicional, e como tal, deve ser aceita de forma incondicional.  

  2. O segundo pilar do discipulado é a renúncia. Renúncia não significa que o indivíduo deve simplesmente anular-se, perdendo sua individualidade, antes, significa que devemos nos retirar de uma relação de obediência e lealdade com nós mesmos, para entrar em uma nova relação de obediência e lealdade com Cristo, agindo e decidindo de acordo com Cristo custe o que custar. 


Portanto, tornar-se discípulo de Cristo, é agir além de si mesmo em uma ação e atitude específicas, em resposta ao chamado de Cristo para renunciar as antigas alianças, engajando-se em sua obra e ligando-se a ele. Discípulo é alguém que entrou em um relacionamento pessoal e salvador com ele. 


Neste sentido, vivemos em uma cultura apodrecida pelo vírus do marketing pessoal e da superexposição de si mesmo. Cada um quer seu lugar ao sol do engajamento social e quase todos querem alcançar o paraíso do reconhecimento. “Imprima no mundo sua marca”. “Construa um legado inesquecível”. “Diga adeus ao anonimato”. Essas expressões são como tweets em nossa mente. Contudo, o que Paulo está ensinando é a “arte do desaparecimento”(termo usado por Jonas Madureira). Discipulado no modelo bíblico exige que Cristo apareça e que a gente diminua. É preciso resistir com todas as nossas forças a tentação da causa por amor próprio. 


A sequência de imitação proposta por Paulo, envolve o tipo de desaparecimento que só é possível de duas formas: (1) o entendimento robusto do evangelho da graça de Deus e (2) amor pelos outros, mas em hipótese alguma amor próprio. Isso soa como um desafio hercúleo para os consumidores do Instagram. 


O fundamento do discipulado


Efésios 5.2 e vivam em amor, como também Cristo nos amou e se entregou por nós como oferta e sacrifício de aroma agradável a Deus.


Deveria causar assombro, e ser motivo de adoração, a facilidade com que o apóstolo tem de adicionar Cristo e seu sacrifício em toda a dinâmica da vida dos crentes. Paulo não coloca a sua ênfase em outra coisa que não no ato sacrificial do nosso Senhor. Ele não trilha outro caminho senão o que conduz para o Cristo sacrificado. A cruz está sempre a vista. O sacrifício está sempre exposto. Não existe espaço para nada ou ninguém que não o Cristo crucificado e recebido em glória pelo Pai “como oferta e sacrifício de aroma agradável a Deus”.


Desse modo, o fundamento do discipulado de todo crente é o amor abnegado de Cristo - como também Cristo nos amou. E para ser ainda mais específico, Paulo acrescenta “se entregou por nós” . Aqui não deve escapar de nossa atenção que quando Paulo desafia os leitores a imitarem a Deus, ao mesmo tempo ilustra o amor de Deus direcionando o que Cristo fez por nós. Em resumo, em seu grande amor, Cristo entregou-se a si mesmo, submetendo-se voluntariamente. Essa verdade, constitui-se a base do discipulado. Assim, ser discípulo não tem início em algo que nós fazemos, o processo começa em algo que Cristo fez. O discipulado começa bem neste ponto, aceitando de bom grado, o que foi feito na cruz em nosso favor. A base fundamental do discipulado é a vida, morte e ressurreição de Jesus. 


Do ponto de vista prático, diante da entrega total de alguém por nós, como não se entregar totalmente por essa pessoa? O comportamento para o crente não é algo sem importância, entretanto, não é algo regulamentado. Algumas coisas são simplesmente incompatíveis com os seguidores de Cristo, outras não têm qualquer relevância. Porém, o exemplo dado por Jesus deve predominar na discussão. Ele não agradou a si mesmo, mas intencionalmente suportou os maiores insultos para que pudéssemos ser salvos. Para Paulo, a morte de Cristo em que ele se entregou por nós, não é somente uma oferta de amor, perdão e salvação. Também é um modelo definitivo e correto para o discipulado. 


O resultado do discipulado


Efésios 5.2 e vivam em amor, como também Cristo nos amou e se entregou por nós como oferta e sacrifício de aroma agradável a Deus.


Como resposta a esse amor radical de Cristo por nós, devemos amá-lo de forma radical. Discípulos são pessoas que têm fé verdadeira em Cristo e que demonstram essa fé ao depositar nele todas as suas esperanças, temores e sua vida. Ser discípulo de Jesus e obedecer as suas ordens, andam de mãos dadas. Karl Barth resume bem esse ponto: “fé não é obediência, mas como obediência não é obediência sem fé, fé não é fé sem obediência. Elas andam juntas, como o trovão e o relâmpago em uma tempestade”. O discípulo não consegue obedecer sem crer em Jesus, o que é verdade de forma oposta, quem realmente acredita em Cristo, deve e pode obedecer, e de fato, o faz. 



Ser cristão significa ser discípulo. Não há cristãos que não sejam discípulos. Ser discípulo significa seguir Cristo e não há discípulos de Jesus que não o sigam, e eles o seguem onde quer que ele os guie. Não é você que determina o plano da sua vida, pois você pertence a ele agora. Pertencemos porque fomos comprados, e estamos unidos a ele por meio da nova aliança no seu sangue. Por intermédio da morte e ressurreição de Jesus, toda culpa do pecado que cometemos passa a ser dele e toda justiça que pertence a ele torna-se nossa. 


Na primeira pergunta do Catecismo Nova Cidade somos inquiridos: “Qual é nossa única esperança na vida e na morte?” O catecismo responde: “Que não somos de nós mesmos, mas pertencemos, de corpo e alma, na vida e na morte, a Deus e a nosso Salvador, Jesus Cristo”. Tim Keller observa que “não vivemos para agradar a nós mesmos. Não podemos viver como se pertencêssemos a nós mesmos”. Para ele “isso significa várias coisas”:


  1. “Que não determinamos para nós o que é certo ou errado. Entregamos o direito de determinar isso e dependemos totalmente da Palavra de Deus”. A revelação de Deus na Bíblia é suficiente para os crentes. Eles rejeitam as maneiras humanas. Desprezam a sabedoria deste mundo e abraçaram por fé a vontade de Deus prescrita em sua Lei. Qual a sua relação com a Bíblia? Você precisa conhecê-la, meditar em suas leis, absorver seus ensinos e obedecer sem questionar. 


  1. “Também abrimos mão do princípio operante que, em geral, empregamos na vida cotidiana; deixamos de nos colocar em primeiro lugar e sempre colocamos nesse patamar o que agrada a Deus e demonstra amor ao próximo”. Algumas pessoas ensinam que “fazer o bem, só pode fazer bem”. O problema é que no final, a pessoa faz o bem pensando nela mesma. Quem foi comprado por Deus, sabe que nenhum outro bem se compara com esse, e por isso, eles podem fazer o bem, para que aquele que os comprou receba toda a glória. 

 

  1. “Que não temos nenhuma parte da vida que seja imune à entrega de si mesmo. Devemos entregar-nos inteiramente a ele, de corpo e alma. Isso quer dizer que confiamos em Deus nas alegrias e provações, nos tempos ruins, na vida e na morte”. Ainda existem áreas que você ainda não entregou àquele que te comprou por meio de seu sacrifício?


Conclusão


Calvino lembra que “devemos abraçar uns aos outros com aquele amor com que Cristo nos abraçou, pelo qual percebemos ser Cristo nosso verdadeiro guia”. Quanto mais ouvimos que ele agiu e como ele agiu em nosso favor, mais devedores e mais adoradores a ele nos tornamos. Somente após termos entendido perfeitamente quem somos em Cristo, que crescerá dentro de nós um desejo genuíno de viver de maneira digna da nossa vocação (Ef 4.1). Por isso, que ninguém diga que doutrina não importa! 


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