A batalha espiritual





Efésios 6.10Finalmente, sejam fortalecidos no Senhor e na força do seu poder. 11Vistamse de toda a armadura de Deus para poderem ficar firmes contra as ciladas do Diabo, 12pois a nossa luta não é contra sangue e carne, mas contra os poderes e as autoridades, contra os dominadores deste mundo de trevas e contra as forças espirituais do mal nas regiões celestiais. 13Por isso, vistamse de toda a armadura de Deus, para que possam resistir no dia mau e permanecer inabaláveis depois de terem feito tudo. 14Assim, permaneçam firmes, cingindose com o cinto da verdade, vestindose com a couraça da justiça 15e tendo os pés calçados com a prontidão do evangelho da paz. 16Além disso, usem o escudo da fé, com o qual vocês poderão apagar todas as setas inflamadas do Maligno. 17Usem o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus.


Por diversas vezes em nosso estudo da carta de Paulo aos efésios, nos maravilhamos com a amplitude da glória de Deus e do seu desígnio eterno. A unidade, a diversidade, a santidade e a harmonia descritas e apresentadas como características distintivas da nova vida em Cristo e do novo povo de Deus. Seria um magnífico ideal, um desejo ardente, um propósito desejável e não difícil de ser atingido viver conforme as maravilhosas prescrições bíblicas. Contudo, agora, o autor inspirado nos traz de volta a dura realidade de nossa existência - não como se tudo que foi ensinado pela pena apostólica não fosse real ou factível. Mas, porém, Paulo recorda-nos das terríveis e severas oposições que enfrentamos quando nos alistamos nas fileiras de Cristo. John Stott afirma: “Por baixo das aparências na superfície, está sendo travada furiosamente uma batalha espiritual invisível”. 


Todos nós gostaríamos de passar a nossa vida em tranquilidade paradisíaca, como nossos familiares todos resguardados debaixo de nossas asas e na comunhão santa e perfeita do povo de Deus. Entretanto, os cristãos têm de enfrentar a perspectiva dolorosa de um conflito com o inimigo de Deus, que também é o seu inimigo. O plano de Deus é criar um novo povo. Seus inimigos vão fazer de tudo para impedir. Nesse sentido, quem é o inimigo? Quais são as suas áreas de atuação? Em qual nível se dá essa batalha – nos céus, no inferno, na arena pública ou no coração? E, principalmente, como podemos vencer essas escaramuças espirituais? 


Por conseguinte, o intuito e o objetivo do apóstolo não é satisfazer a curiosidade dos crentes, porém, nos advertir quanto à hostilidade e abrangência dessas forças malignas e, sobretudo, como podemos solapar seus propósitos maléficos. 


O poder para vencer a batalha


Efésios 6.10 Finalmente, sejam fortalecidos no Senhor e na força do seu poder.


Paulo, magistralmente começa pelo fim. Ele estabelece o alicerce e o fundamento para qualquer vitória espiritual. Somente o poder de Deus pode nos ajudar e nos livrar da força, da maldade e da astúcia do diabo. Foi o poder de Deus que ressuscitou Jesus Cristo dentre os mortos e o entronizou nos lugares celestiais. Foi o poder de Deus que vivificou os eleitos de seu estado de mortos em delitos e pecados e que juntamente com Cristo, também os entronizou. Em resumo, é o exercício ou a manifestação do poder do Senhor que constitui a fonte do poder dos crentes, em outras palavras, a parte de Cristo, eles não podem fazer nada. 


O poder realmente é do Senhor, e sem a força de seu poder vamos falhar e cair. Precisamos ser fortalecidos nele e na sua força. Não estamos tratando de coisas abstratas, ou poderes mágicos, e sim do poder de Deus demostrado no curso da história humana. Paulo descreve esse poder:


Romanos 1.16 Não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê: primeiro, do judeu e, depois, do grego.


1 Coríntios 1.18 Pois a mensagem da cruz é loucura para os que perecem, mas para nós que somos salvos é o poder de Deus.


Portanto, o poder de Deus é manifesto de forma mais pungente no evangelho de Jesus Cristo. Nessa perspectiva, o que é o evangelho? Tim Keller diz que “o evangelho é acima de tudo um relato sobre a obra de Cristo em nosso favor – salvação conquistada para nós. Por essa razão, ele é o evangelho da graça”. A declaração de fé do Coalizão Pelo Evangelho ensina:


Essa boa nova é bíblica (sua morte e ressurreição são de acordo com as Escrituras), teológica e salvífica (Cristo morreu pelos nossos pecados para nos reconciliar com Deus), histórica (se os eventos salvadores não tivessem acontecido, nossa fé seria vã, ainda estaríamos em nossos pecados e seríamos, de todos os homens, os mais dignos de compaixão), apostólica (a mensagem foi confiada aos apóstolos e transmitida por eles que eram testemunhas desses eventos salvíficos) e intensamente pessoal (quando ela é recebida, crida e firmemente retida, pessoas são individualmente salvas).


Paulo afirma: 


1 Coríntios 15.1 Irmãos, quero lembrálos do evangelho que preguei a vocês, o qual receberam e no qual estão firmados. 2Por meio deste evangelho vocês são salvos, se guardarem firmemente a palavra que preguei a vocês; caso contrário, vocês têm crido em vão. 3Pois o que primeiramente transmiti a vocês foi o que também recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; 4foi sepultado e ressuscitou no terceiro dia, segundo as Escrituras; 5apareceu a Cefas e, mais tarde, aos Doze.


Os crentes são fortalecidos pela fé, confiando plenamente na verdade espiritual de que foram alcançados pelo evangelho da graça de Deus, tiveram seus pecados perdoados e são definitivamente justificados pela obra gloriosa de Jesus Cristo. A realização vicária de Jesus na cruz oferece a força vital que os crentes precisam para vencer qualquer inimigo, uma vez que no evangelho os maiores adversários dos cristãos foram derrotados decisivamente, a saber, o pecado, a condenação e morte. 


Quem é o inimigo?


Efésios 6.11 Vistamse de toda a armadura de Deus para poderem ficar firmes contra as ciladas do Diabo, 12pois a nossa luta não é contra sangue e carne, mas contra os poderes e as autoridades, contra os dominadores deste mundo de trevas e contra as forças espirituais do mal nas regiões celestiais.


O conhecimento do inimigo aliado a um respeito sadio pelas suas ações é fundamental para a vitória na batalha. Parte importante do ministério terreno de Jesus e o sinal da chegada do reino de Deus era o exorcismo de forças demoníacas que assolavam indivíduos. Se subestimamos o nosso inimigo, não veremos utilidade na armadura de Deus, por outro lado, se superdimensionamos o seu poder podemos enxergar além da realidade. Paulo afirma que “nossa luta não é contra sangue e carne”, indicando que a refrega não é contra seres humanos, mas contra forças cósmicas. Nossos inimigos não são humanos, são espirituais. Calvino adverte que podemos ter visões ambíguas acerca do inimigo:


O argumento extraído dessa passagem pelos maniqueus, em apoio de sua tresloucada noção de dois princípios, é facilmente refutado. Presumem o diabo como sendo uma deidade antagônica, a quem o Deus justo não subjugaria sem imensurável esforço. Porquanto Paulo não atribui aos demônios um principado, do qual se apoderaram sem o devido consentimento e o qual mantêm a despeito da oposição do Ser Divino; mas um principado que, como a Escritura ensina em outro lugar, Deus, em justo juízo, lhes cede contra os perversos. A indagação aqui não é que poder eles têm em oposição a Deus, e sim até que ponto eles nos assustam, e nos mantêm em guarda.  


Desse modo, podemos dizer que as forças de batalha contra nós têm essas características:


  1. São poderosas. Não importa se os títulos de principados e potestades designam diferentes categorias hierárquicas no inferno, entretanto, destacam-se pelo seu poder e pela autoridade que exercem. 


  1. São malignas. Os inimigos dos crentes empregam seu poder para o mal e não para o bem. Não possuem qualquer princípio moral, código de honra e nem sentimentos nobres. 


  1. São astutas. Normalmente somos apanhados sem nada suspeitar. Raramente atacam para serem vistos, preferindo a escuridão para agir. As trevas caracterizam as suas ações. Elas preferem nos seduzir para entrarmos no caminho do erro. Todavia, sua maior estratégia é persuadir as pessoas de que elas não existem. 


  1. São controladas. Elas não têm poder de agir de forma autônoma. Suas ações são devidamente aprovadas e autorizadas por Deus e seu campo de atuação depende da aprovação superior. 


  1. Tem parceiros. Elas não atuam sozinhas, normalmente são acompanhadas por seus pares, a saber, a carne contaminada pelo pecado e o mundo e suas estruturas da maldade. 


  1. São pessoais. Elas carregam identidade própria e são seres independentes e pessoais. Não são somente a representação de forças - governamentais ou institucionais - ou emanações impessoais.


  1. São sobrenaturais. Os inimigos do povo de Deus são seres sobrenaturais. Não possuem corpos e são descritos na Bíblia como anjos caídos. 


  1. Usam as estruturas de poder. Os demônios usam com frequência as estruturas de poder estabelecidos pela sociedade – os governos, as empresas, as escolas e as religiões entre outras.


A admoestação de Paulo, nos lembra, que não estamos lutando contra seres frágeis com suas enfermidades e pecados. Ao contrário, é contra uma hoste extraterrena inumerável de espíritos malignos – o diabo pessoalmente e todos os demônios. Eles controlam tiranicamente o mundo da ignorância, do pecado e da maldade. Entretanto, temos como vencê-los.


Como vencer a guerra


Efésios 6.13 Por isso, vistamse de toda a armadura de Deus, para que possam resistir no dia mau e permanecer inabaláveis depois de terem feito tudo. 14Assim, permaneçam firmes, cingindose com o cinto da verdade, vestindose com a couraça da justiça 15e tendo os pés calçados com a prontidão do evangelho da paz. 16Além disso, usem o escudo da fé, com o qual vocês poderão apagar todas as setas inflamadas do Maligno. 17Usem o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus.


Os crentes podem vencer a batalha. Para isso, eles precisam de informações tais como: as armas que dispõem para a batalha, o propósito do equipamento e o âmbito da batalha. Paulo ressalta cada uma dessas informações. 


O propósito da armadura de Deus é a estabilidade dos crentes. O objetivo de revestir os crentes com a armadura de Deus é tríplice: “para que possam resistir no dia mau e permanecer inabaláveis depois de terem feito tudo. Assim, permaneçam firme”. A primeira coisa que se deve notar é que Paulo engloba condições de crise (resistir no dia mau) com firmeza de caráter (permanecer inabaláveis depois de terem feito tudo). A segunda observação é que essas coisas irão acometer os crentes durante a sua caminhada na terra. Todos os cristãos enfrentam instabilidades. Em terceiro lugar, Paulo se preocupa com estabilidade dos crentes, e para tal estabilidade, tanto de caráter como na crise, a armadura de Deus é essencial. Finalmente, mais do que enfatizar o caráter do equipamento, a lição essencial é que esse equipamento é fornecido por Deus. 


As armas foram fornecidas por Deus. Paulo utiliza a analogia da armadura dos soldados romanos para apresentar as armas que os crentes devem utilizar na guerra. Obviamente, o apóstolo não deseja encerrar todas as nossas armas nesta passagem, mas oferecer vislumbres preciosos de nossa proteção e ataque contra o nosso inimigo. Vamos observar cada componente: 


  • o cinto da verdade


Essencialmente, a verdade está conectada a três realidades funcionais: (1) ao caráter de Deus – Jesus afirmou ser a verdade; (2) a verdade da revelação de Deus em Cristo e nas Escrituras – a Bíblia é a verdade de Deus revelada; (3) a verdade no sentido de sinceridade e integridade dos crentes – por consequência natural, os crentes devem ser verdadeiros e falar sempre a verdade.


  • a couraça da justiça


Justiça nas cartas apostólicas significa frequentemente, a justificação pela fé, quer dizer, a iniciativa graciosa de Deus em fazer com que pecadores sejam reconciliados (expiação e propiciação) com Deus através de Cristo. Indiscutivelmente, nenhuma arma espiritual é mais poderosa do que estar em um relacionamento justo com Deus. Por outro lado, a justiça, também significa decoro moral e retidão de caráter provenientes da justiça de Deus. 


  • tendo os pés calçados com a prontidão do evangelho da paz


A referência diz respeito a certa firmeza ou qualidade inabalável que o evangelho concede àqueles que creem. As afirmações contundentes do evangelho oferecem aos cristãos convicções mais profundas do que quaisquer outras certezas humanas. Nenhuma pode sobrepor a palavra que procede da boca de Deus. Consequentemente, os que receberam as boas notícias, devem estar sempre prontos para dar testemunho de Cristo. John Stott diz que “o diabo odeia o evangelho por ser o poder de Deus para salvar as pessoas da tirania satânica, salvando tanto nós que recebemos esse evangelho quanto aqueles com que o participamos”.


  • o escudo da fé    


Os dardos do diabo incluem acusações maliciosas (se estamos realmente em Cristo) que incendeiam a nossa consciência. Podem ser ainda, indesejados pensamentos de dúvida, de desobediência, rebeldia, malícia ou medo. Em contrapartida, a fé é a firme convicção do caráter e da natureza de Deus e do cumprimento das suas promessas redentoras. A fé é o nosso auxílio em tempos de dúvida e depressão. A fé é força para lutar contra as tentações. 


  • o capacete da salvação


O capacete do soldado cristão é a esperança da salvação, melhor dizendo, a certeza de salvação agora e do cumprimento das promessas futuras e definitivas. A salvação que já recebemos – perdão, libertação, justificação e adoção – e a expectativa confiante da plena salvação no último dia – ressurreição, glorificação e restauração. Charles Hodge escreveu: “O que adorna e protege o cristão, o que o capacita a levantar a cabeça com confiança e alegria, é o fato de ser salvo”.


  • a espada do Espírito


A Escritura, a palavra de Deus escrita, cuja origem é repetida vezes atribuída a inspiração do Espírito Santo, mesmo atualmente, é a espada de Deus. Ela é a espada de Deus porque o Espírito ainda a emprega para cortar as defesas das pessoas, ferir as consciências e despertá-las espiritualmente por meio de sua ação penetrante. Portanto, nunca devemos ter medo ou vergonha de usá-la. Os crentes reconhecem que a Bíblia é a espada do Espírito. 


A batalha acontece no âmbito espiritual. Finalmente, quando observamos atentamente os componentes da armadura e a sua utilização, recebemos a informação da arena de batalha. Os crentes não guerreiam nos coliseus públicos ou nos palanques de debate. A verdadeira batalha acontece no íntimo de cada um dos cristãos. No coração e na mente, no entendimento e nos afetos, na motivação e nas paixões. Portanto, a maneira correta de combater esse combate é suplantando os adversários interiores por meio de armas que transformam a nossa mente, fortalecem o nosso coração e, finalmente, produzem comportamentos piedosos. Então voltamos no início da passagem em que o apóstolo afirma: “sejam fortalecidos no Senhor e na força do seu poder”.


Conclusão


Qualquer cristão verdadeiro pode comprovar a existência dessa guerra espiritual constante e feroz. Contudo, a maneira como enxergamos essa batalha interfere decisivamente em nossa postura. Se concebermos essa guerra como disputa de forças do mal contra o bem, estaremos sempre na defensiva; se considerarmos que ela não existe, podemos atacar as coisas erradas ou orgulharmos de nossas próprias armas. A Bíblia nos ensina a ponderarmos em nossos inimigos, nas armas que dispomos, no âmbito da batalha e nos propósitos da guerra. 


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Justo e Justificador

Discipulado: Igreja Discipula

Discipulado: Como discipular?