Justo e Justificador
Romanos 1.17 Porque a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: “O justo viverá por fé.”
A justificação pela fé é um dos ensinos mais ricos das Escrituras e a pedra de toque da Reforma protestante. Alvo de constantes - e desnecessárias - controversas, foi abundantemente explorado pelo apóstolo Paulo. John Leadley Dagg (1794-1884) um dos teólogos mais respeitados entre os batistas, em sua obra “Manual de Teologia” afirmou sobre a justificação: O perdão livra-nos da culpa do pecado, mas não nos restaura o favor de Deus, que tinhamos perdido. Há diferença entre um criminoso perdoado e um justo, que não cometeu nenhum crime.
A justificação pela fé pode ser definida como: o ato legal e instantâneo de Deus que considera todos os pecados da pessoa perdoados e o indivíduo inteiramente justo. Contudo, nem todos concordam com essa afirmação. Os ímpios buscam justificação por meio de suas aspirações – a Bíblia denomina de idolatrias. Os religiosos, acreditam que são justificados através de suas boas obras. Os judeus creem que sua justiça é obtida mediante atos externos como circuncisão e leis dietéticas.
Considere um instante, você se considera justo diante de Deus? Em que você está confiando (justificando) para lhe dar aceitação, significado e sentido na vida? O intuito do apóstolo é demonstrar que os crentes são justificados somente por meio da fé em Jesus Cristo. Essa justificação é perfeita e definitiva não dependendo, em hipótese alguma, das obras humanas.
O diagnóstico da necessidade humana.
Porém, antes de chegar ao núcleo do ensino a respeito da justificação pela fé, Paulo apresentou um cenário desastroso.
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● Romanos 1.18-32 – Paulo argumenta que os ímpios necessitam do evangelho.
Romanos 1.20 Porque os atributos invisíveis de Deus, isto é, o seu eterno poder e a sua divindade, claramente se reconhecem, desde a criação do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que Deus fez. Por isso, os seres humanos são indesculpáveis.
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● Romanos 2.1-16 – O apóstolo assegura que os religiosos também necessitam do evangelho.
Romanos 2.1 Por isso, você é indesculpável quando julga os outros, não importando quem você é. Pois, naquilo que julga o outro, você está condenando a si mesmo, porque pratica as mesmas coisas que condena.
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● Romanos 2.17-29 – Os judeus, igualmente, necessitam do evangelho.
Romanos 2.29 Porém judeu é aquele que o é interiormente, e circuncisão é a do coração, pelo Espírito, não segundo a letra, e cujo louvor não procede de seres humanos, mas de Deus.
● Os conterrâneos de Paulo, certamente, não ficaram nada satisfeitos com as suas afirmações. O apóstolo antecipa e responde possíveis objeções dos judeus - são quatro seções de perguntas e respostas com um interlocutor invisível:
1. P: Romanos 3.1 Qual é, então, a vantagem do judeu? Ou qual a utilidade da circuncisão?
R: 2Muita, sob todos os aspectos. Principalmente porque aos judeus foram confiados os oráculos de Deus.
2. P: 3.3 E então? Se alguns não creram, será que a incredulidade deles anulará a fidelidade de Deus? Os judeus argumentam: Deus falhou, uma vez que muitos não creram na justiça revelada em Jesus.
R: Ao que Paulo responde: 4De modo nenhum! Seja Deus verdadeiro, e todo ser humano, mentiroso, como está escrito: “Para que sejas justificado nas tuas palavras e venhas a vencer quando fores julgado.” Paulo cita Davi (Salmo 51.4Pequei contra ti, contra ti somente, e fiz o que é mau aos teus olhos, de maneira que serás tido por justo no teu falar e puro no teu julgar.), para dizer que a infidelidade dos homens só revela o quanto Deus está comprometido com sua verdade.
3. P: 3.5 Mas, se a nossa injustiça evidencia a justiça de Deus, que diremos? Seria Deus injusto por aplicar a sua ira? Falo em termos humanos. Uma nova alegação aparece: podemos pecar livremente, já que a justificação glorifica a Deus?
R: 6É claro que não. Do contrário, como Deus julgará o mundo?
4. P: Então 7E, se a minha mentira faz com que aumente a verdade de Deus para a sua glória, por que ainda sou condenado como pecador? Se somos justificados pela fé, não precisamos fazer boas obras.
R: 8E por que não dizemos, como alguns caluniosamente afirmam que o fazemos: “Pratiquemos o que é mau, para que nos venha o que é bom”? A condenação destes é justa.
● Romanos 3.9-18 – Qual é, portanto, a conclusão? Segundo o autor inspirado, todos os homens estão encerrados no pecado. 3.9Que se conclui? Temos nós alguma vantagem? Não, de forma nenhuma. Pois já temos demonstrado que todos, tanto judeus como gregos, estão debaixo do pecado.
O apóstolo discorre, usando a Bíblia, a respeito das maneiras como o pecado afeta o ser humano:
1. A posição legal. São culpados e estão condenados: 10Como está escrito: “Não há justo, nem um sequer,
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A mente. A mente corrompida não compreende a verdade de Deus: 11não há quem entenda,
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As motivações. Não desejam de fato encontrar a Deus. 11... não há quem busque a Deus.
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Os desejos. Escolhem os próprios caminhos e fazem a própria vontade. 12Todos se desviaram e juntamente se tornaram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer.
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A língua. Enganadores, mordazes, murmuradores e blasfemadores. 13A garganta deles é sepulcro aberto; com a língua enganam, veneno de víbora está nos seus lábios. 14A boca, eles a têm cheia de maldição e amargura;
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Os relacionamentos. Não conseguem viver em paz uns com os outros. 15os seus pés são velozes para derramar sangue. 16Nos seus caminhos, há destruição e miséria; 17eles não conhecem o caminho da paz.
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O relacionamento com Deus. Simplesmente... 18Não há temor de Deus diante de seus olhos.”
● Romanos 3.19-20 – Finalmente, a lei revela e expõe o pecado do homem, mas não tem poder de curá-lo.
3.19 Ora, sabemos que tudo o que a lei diz é dito aos que vivem sob a lei, para que toda boca se cale, e todo o mundo seja culpável diante de Deus. 20Porque ninguém será justificado diante de Deus por obras da lei, pois pela lei vem o pleno conhecimento do pecado.
Se nos aproximarmos de Deus afirmando que somos moralmente corretos, oferecendo-lhe as “boas obras” das nossas mãos como justiça, não conseguimos receber a justiça que ele concede pela graça. Precisamos desistir de nossa correção moral ou bondade e nos arrepender de nossa religiosidade, bem como da rebeldia. Precisamos chegar de mãos vazias, boca fechada e humildemente receber a justiça de Deus.
O caminho da justiça
A segunda parte da passagem retrata o caminho para a justificação plena e perfeita dos crentes. É o caminho da fé em Cristo Jesus pela graça de Deus. Entretanto, esse não é um caminho ou método novo, ao contrário, os escritos dos profetas e da lei não cansam de apontá-lo para nós.
Romanos 3.21 Mas, agora, sem lei, a justiça de Deus se manifestou, sendo testemunhada pela Lei e pelos Profetas.
Paulo aponta três formas em que a justiça de Deus nos alcança:
1. Por meio da fé para todos os que creem. 22É a justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos e sobre todos os que creem
2. Não depende de nossos méritos ou esforços humanos. 22... porque não há distinção, 23pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, 24sendo justificados gratuitamente, por sua graça,
3. Através do sacrifício de Cristo. 24... mediante a redenção que há em Cristo Jesus, 25a quem Deus apresentou como propiciação, no seu sangue, mediante a fé.
Portanto, o sacrifício de Cristo é o meio pelo qual Deus, graciosamente, elimina o pecado de seu povo e os justifica plenamente. Não simbolicamente – como no romanismo – mas realmente. E realmente em duplo sentido: do coração de todos os que creem em Cristo (retirando a culpa), como também da presença de Deus (removendo a condenação).
Finalmente, o apóstolo aponta três consequências da justificação pela fé:
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26tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, a fim de que o
próprio Deus seja justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus.
Na oferta que Cristo fez de Si mesmo, a justiça de Deus é satisfeita e o pecador que crê é justificado. Pois Cristo ocupa uma posição singular, na qualidade de Homem representativo, Ele absorve o juízo a que ficou sujeito o pecado humano; como representante de Deus, Ele comunica aos homens a graça perdoadora de Deus.
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27Onde fica, então, o orgulho? Foi totalmente excluído. Por meio de que lei? A lei das obras? Não! Pelo contrário, por meio da lei da fé.
Orgulho e a fé são antagônicos; não se pode ter as duas coisas. O princípio da fé exclui o orgulho, porque a fé entende não haver nada que possa fazer para justificar o pecador. Se pretendemos receber Jesus, temos de abrir mão do orgulho e da vanglória. Desse modo, os que creem excluem completamente a soberba e a jactância quando compreendem que suas melhores e maiores realizações nada fizeram para justificá-lo.
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28Concluímos, pois, que o ser humano é justificado pela fé, independentemente das obras da lei. 29Ou seria Deus apenas Deus dos judeus? Será que não é também Deus dos gentios? Sim, também dos gentios, 30visto que Deus é um só, o qual justificará o circunciso a partir da fé e o incircunciso por meio da fé. 31Anulamos, então, a lei por meio da fé? De modo nenhum! Pelo contrário, confirmamos a lei.
O crente no evangelho, salvo sem a lei, compreende e ama a lei mais do que alguém que está buscando ser salvo por ela. Embora a obediência da lei como meio de salvação seja um ato nulo e vazio, a lei não pode ser deixada de lado, nem suas exigências alteradas. A lei de Deus ainda está lá, e ainda deve ser guardada. Ela deve ser obedecida por qualquer um que compareça na presença de Deus. O evangelho não declara que a lei não importa mais, e sim que ela importa muito. Ela deve ser cumprida, especialmente, por aqueles que foram salvos, por meio da fé, mediante a graça de Deus, independentemente da lei.
A justificação prática
A justificação pela fé por meio da graça de Deus tem efeitos práticos na vida do crente, a saber:
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A pessoa não precisa “pagar” a penalidade de seus pecados passados, presentes e futuros.
Os pecados não são esquecidos ou ignorados por Deus. Os justificados têm seus pecados adicionados em Jesus e como foi dito antes, Cristo assumiu as penalidades dos pecados dos eleitos em seus sofrimentos na crucificação.
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Os méritos da obediência de Cristo são adicionados à vida do justificado.
Cristo tomou o lugar de culpa e condenação que todos os pecadores mereciam, para que pudessem assumir o lugar de aceitação que sempre desejaram. Isso significa que não precisamos de nossas obras de obediência para barganhar com Deus em busca de seu amor.
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Os frutos da justificação são evidentes.
Os frutos da justificação podem ser claramente reconhecidos nos que são salvos. Eles não precisam ignorar ou manipular a lei de Deus, por outro lado, eles não são esmagados pela exigência da obediência. São livres para devotar o respeito devido aos absolutos morais sem ser sufocados por eles.
Conclusão
A Bíblia procurou fundamentar a justificação na rocha firme da graça de Deus. Calvino refletindo sobre a justificação disse: “A justiça divina, pois, resplandece em nós a medida em que Deus nos justifica por meio da fé em Cristo...”. A justificação pela fé faz brilhar a glória da graça de Deus mais intensamente e impede que as obras humanas recebam algum tipo de valor ou honra.
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