Cheios com o Espírito: O Dia do Senhor
Será que os cristãos têm um dia definido e estabelecido para o culto público de adoração? Qual a relação existente entre o sábado judaico e o sábado cristão? Não estão os cristãos modernos, em sua perspectiva pragmática e individualista, desprezando o descanso de Deus? Quando buscamos responder essas questões, encontramos a beleza e a majestade de Deus em reunir seu povo em um dia determinado para o louvor de sua glória. O denominado Dia do Senhor – o sábado cristão.
Jesus não aboliu a lei
Mateus 12.1 Naquela ocasião, Jesus passou pelas lavouras de cereal no sábado. Os seus discípulos estavam com fome e começaram a colher espigas para comê‑las. 2Os fariseus, vendo isso, lhe disseram: ― Veja! Os seus discípulos estão fazendo o que não é permitido no sábado. 3Ele respondeu: ― Vocês não leram o que fez Davi quando ele e os seus companheiros estavam com fome? 4Ele entrou na casa de Deus e, com os seus companheiros, comeu os pães da Presença, o que não lhes era permitido fazer, mas apenas aos sacerdotes. 5Ou vocês não leram na lei que, no sábado, os sacerdotes no templo profanam esse dia e, contudo, são considerados inocentes? 6Eu digo a vocês que aqui está quem é maior do que o templo. 7Se soubessem o que significa isto: “Desejo misericórdia, não sacrifícios”, não teriam condenado inocentes. 8Pois o Filho do homem é Senhor do sábado. 9Depois de sair daquele lugar, dirigiu‑se à sinagoga deles. 10Havia ali um homem com uma das mãos atrofiada. Procurando um motivo para acusar Jesus, eles lhe perguntaram: ― É permitido curar no sábado? 11Ele lhes respondeu: ― Quem de vocês, se tiver uma ovelha e ela cair em um buraco no sábado, não irá pegá‑la e tirá‑la dali? 12Quanto mais vale um homem do que uma ovelha! Portanto, é permitido fazer o bem no sábado. 13Então, ele disse ao homem: ― Estenda a mão. Ele a estendeu, e ela foi restaurada e ficou boa como a outra. 14Então, os fariseus saíram e começaram a conspirar para matar Jesus.
A atitude dos discípulos de Jesus provocou uma discussão acalorada com os fariseus. Esse grupo religioso considerava a retirada de espigas como trabalho e a lei proibia o trabalho no sábado.
Mateus 12.1 Naquela ocasião, Jesus passou pelas lavouras de cereal no sábado. Os seus discípulos estavam com fome e começaram a colher espigas para comê‑las. 2Os fariseus, vendo isso, lhe disseram: ― Veja! Os seus discípulos estão fazendo o que não é permitido no sábado.
Jesus justifica o comportamento dos seus seguidores com dois exemplos retirados do A.T.. O caso de Davi que comeu os pães da Presença – 1 Sm 21.1-6 – os sacerdotes que administravam os ritos no templo, mas suas atividades não eram consideradas trabalho.
Mateus 12.3 Ele respondeu: ― Vocês não leram o que fez Davi quando ele e os seus companheiros estavam com fome? 4Ele entrou na casa de Deus e, com os seus companheiros, comeu os pães da Presença, o que não lhes era permitido fazer, mas apenas aos sacerdotes. 5Ou vocês não leram na lei que, no sábado, os sacerdotes no templo profanam esse dia e, contudo, são considerados inocentes?
A seguir, como comumente empreendeu em seus embates com os fariseus, Jesus demonstrou a superioridade da lei moral sobre a lei cerimonial de Israel.
Mateus 12.7 Se soubessem o que significa isto: “Desejo misericórdia, não sacrifícios”, não teriam condenado inocentes.
Então, surpreendentemente, ele fez uma reivindicação poderosa acerca dele mesmo:
Mateus 12.8 Pois o Filho do homem é Senhor do sábado.
O Filho do homem redirecionou todo o significado - moral, cerimonial e teológico - do sábado para ele mesmo. Quem tem soberania e poder sobre a lei divina, exceto o próprio Deus? Os fariseus poderiam, em última instância, explicar a lei de Deus. Jesus aponta para sua identidade divina e alega ter autoridade e supremacia sobre a lei de Deus, a ponto de modificar completamente seu funcionamento.
O próximo episódio do texto escancara a realidade do Dia do Senhor - quais os propósitos do sábado na perspectiva cristã:
Mateus 12.9Depois de sair daquele lugar, dirigiu‑se à sinagoga deles. 10Havia ali um homem com uma das mãos atrofiada. Procurando um motivo para acusar Jesus, eles lhe perguntaram: ― É permitido curar no sábado? 11Ele lhes respondeu: ― Quem de vocês, se tiver uma ovelha e ela cair em um buraco no sábado, não irá pegá‑la e tirá‑la dali? 12Quanto mais vale um homem do que uma ovelha! Portanto, é permitido fazer o bem no sábado.
Para algumas pessoas, a atitude de Jesus, frente a oposição dos fariseus, aboliu completamente a necessidade da observância do mandamento de dedicar um dia para o Senhor. O texto não ensina que Jesus tenha ordenado o descumprimento absoluto da ordenação divina - Jesus não poderia fazer isso, uma vez que ele mesmo afirmou que não veio anular a lei (Mateus 5.17 ― Não pensem que vim abolir a Lei ou os Profetas; não vim aboli‑los, mas cumpri‑los.).
A ordem para guardar o sábado está firmemente ancorada no decálogo - os dez mandamentos prescritos por Deus aos membros do pacto. As leis morais de Deus estão fundamentadas em sua própria natureza e não podem ser revogadas. Ao passo que as regulamentações da lei (aplicação da lei às realidades temporais) podem ser mudadas se Deus quiser. Nesse sentido, mesmo que durante a história de Israel, algumas modificações tenham sido feitas no quarto mandamento, isso não é motivo para sugerir que a essência do mandamento foi alterada. Em resumo, o que Jesus intentou dizer quando afirmou ser o “Senhor do sábado”, é que a obrigação de guardá-lo é universal e permanente, no entanto, a aplicação da lei em Israel deveria ser ajustada em duas direções: em suas motivações e finalidade. O que talvez explique a mudança do Dia do Senhor do último dia da semana para o primeiro dia da semana - o dia da ressurreição de Jesus - nos primórdios da era cristã (At 20.7, 1 Co 16.2 e Ap 1.10) que trataremos a seguir.
Determinados indivíduos argumentam que o sábado era um tipo de Cristo, e que, portanto, desde que Cristo veio, o tipo foi revogado. Para eles, agora os crentes experimentam o sábado, descansando de suas obras e vivendo para ele. Todavia, mesmo que exista um elemento tipológico no sábado judaico, o princípio de um dia de descanso “santificado para o Senhor” repousa na criação - estudaremos adiante - e não nas leis cerimonias de Israel. Por isso, o seu cumprimento é compulsório para o homem enquanto viver neste mundo. Por estar no decálogo ao lado de nove leis morais imperativas, a observância do sábado não poderia ser de natureza apenas tipológica ou temporária.
O desenvolvimento bíblico e histórico do dia do Senhor
A necessidade de separar um dia entre sete para o “descanso” de nossas obras e para cultuar a Deus perpassa todo o relato da Escritura.
A origem da observância do descanso por ocasião da Criação
Gênesis 2.1Assim, foram concluídos os céus e a terra e tudo o que neles há. 2No sétimo dia, Deus já havia concluído o trabalho que realizara; assim, nesse dia, descansou de todo o seu trabalho. 3Então, Deus abençoou o sétimo dia e o santificou, porque foi nesse dia que ele descansou de todo o trabalho que realizara.
No ato da Criação, o próprio Deus separou oficialmente um dia para uso sagrado, e exigiu que os homens obedientemente o santificassem nesse uso. Desse modo, a origem da observância de um dia santificado (separado) para o Senhor remonta a criação e deve ser considerada por todos os seres humanos.
A lei de Deus afirma a observância do sábado
Êxodo 20.8 Lembre‑se do dia de sábado para santificá‑lo.
A lei funcionava como um condutor dos israelitas a Cristo. Entretanto, ela deve ser distinguida em suas três categorias: a lei cerimonial, a lei civil e a lei moral. Nessa perspectiva, os dez mandamentos pertencem a lei moral de Deus e o quarto mandamento se diferencia, juntamente com os outros nove mandamentos, da lei cerimonial e judicial de Israel. Logo, da mesma forma em que os outros mandamentos são de constituição moral, o quarto mandamento também o é.
Finalmente, é possível, relacionar alguns motivos para afirmar que a lei moral dos dez mandamentos deve ser observada pelos crentes: Primeiro, ao contrário das leis cerimonias e judiciais, o decálogo foi proferido pela própria voz de Deus. Segundo, a promessa da nova aliança inclui a inscrição da lei de Deus no coração, uma vez que o mandamento do sábado faz parte da lei de Deus, ele é necessariamente escrito no coração dos eleitos de Deus.
A igreja apostólica se reunia para adorar no “dia do Senhor”
Atos 20.7 No primeiro dia da semana, quando nos reunimos para partir o pão, Paulo falou aos irmãos e, porque iria embora no dia seguinte, continuou falando até a meia-noite.
1 Coríntios 16.2 No primeiro dia da semana, cada um de vocês separe uma quantia em dinheiro, de acordo com a sua renda, reservando‑a para que não seja preciso fazer coletas quando eu chegar.
Apocalipse 1.10 No dia do Senhor, eu estava em Espírito e ouvi atrás de mim uma forte voz, como de trombeta,
Os primeiros crentes usavam o domingo como dia de culto público de adoração. Essa é uma das primeiras referências históricas sobre a reunião dos crentes no domingo, em vez de no sábado judaico. O texto desfaz o argumento de que essa mudança ocorreu depois da intervenção estatal do Império Romano.
Os escritores apostólicos mencionaram o “descanso”
Hebreus 4.9Assim, ainda resta um descanso sabático para o povo de Deus; 10pois aquele que entra no descanso de Deus também descansa do seu trabalho, como Deus descansou do seu. 11Portanto, esforcemo‑nos para entrar nesse descanso, a fim de que ninguém venha a cair, seguindo aquele exemplo de desobediência.
Existe uma relação intrínseca entre o descanso e o evangelho de Jesus. A passagem inteira, relaciona as obras de Deus na Criação e as obras de Cristo na Redenção. O descanso da igreja na era do evangelho está alicerçado nas obras e no descanso daquele por quem a igreja foi edificada, a saber, em Jesus Cristo. Pois ele, por causa de suas obras, é o “Senhor do sábado”. Isso é o que Jesus fez com o sábado: reorientou o significado da Criação para Redenção. Portanto, como o “Senhor do sábado”, ele pode revogar um dia de descanso e instituir outro. Com a sua ressurreição Cristo entrou em seu descanso, cessou o seu trabalho e ao mesmo tempo, lançou os alicerces da nova criação.
A confissão de fé de Westminster ensina
Como é lei da natureza que, em geral, uma devida proporção do tempo seja destinada ao culto de Deus, assim também em sua palavra, por um preceito positivo, moral e perpétuo, preceito que obriga a todos os homens em todos os séculos, Deus designou particularmente um dia em sete para ser um sábado (descanso) santificado por Ele; desde o princípio do mundo, até a ressurreição de Cristo, esse dia foi o último da semana; e desde a ressurreição de Cristo foi mudado para o primeiro dia da semana, dia que na Escritura é chamado Domingo, ou dia do Senhor, e que há de continuar até ao fim do mundo como o sábado cristão.
A confissão fundamenta sua defesa do Dia do Senhor na lei natural. A natureza exige que todas as pessoas, em todas as eras e em todos os lugares separem certas horas para adoração e culto. Quando Deus “descansa” no sétimo dia, ele não deixa de trabalhar completamente. Pelo contrário, o descanso divino consiste na satisfação e prazer que teve em suas obras. Consequentemente, os homens tem o dever de glorificar a Deus de acordo com a revelação que o próprio Deus faz de si mesmo - os incrédulos pelas obras da criação, e os crentes pelas obras da graça de Deus.
A prática do dia do Senhor
Joel Beeke pondera: “Só quando usadas com fé é que as normas de Deus edificam a fé”. Para muitas pessoas, a ideia de separar (santificar) um dia na semana para cultuar a Deus, cuidar da família e evangelizar os perdidos constitui-se em um verdadeiro escândalo e perda de tempo. Em nossa realidade local, o Dia do Senhor é um tempo separado para a adoração pública em que os eleitos têm o dever e o privilégio de adorar e cultuar a Deus. O domingo é uma experiência espiritual de união do Deus vivo com seu povo escolhido. Todos os crentes, juntos, deixam as suas casas, o seu conforto, os seus afazeres e se dirigem em unidade para a igreja. O Dia do Senhor é como um retrato vivo do impacto do evangelho na vida do povo de Deus:
O povo de Deus é edificado e revigorado. As normas de adoração baseadas no evangelho são causas instrumentais de edificação. O culto público da igreja é saturado da palavra de Deus - Falamos, cantamos, oramos, pregamos e vemos as Escrituras. A glória de Deus é exaltada em todas as suas perfeições. Os crentes são edificados por meio dos dons uns dos outros. O resultado é que toda a comunidade do povo de Deus experimenta restauração de suas forças e crescimento espiritual.
O povo de Deus desafia os deuses da cultura. Os incrédulos querem um dia para eles mesmos. Os crentes anelam por desfrutar esse dia na presença de Deus e na comunhão da igreja. Quando estamos reunidos os deuses da modernidade estão sendo destronados. Esses deuses falsos se manifestam no individualismo, no consumismo, na superficialidade e no hedonismo. A comunidade da igreja fala do seu prazer em Cristo, canta os seus amores verdadeiros, oferece ações de graças ao Senhor de toda terra e escuta a lei de Deus para o cumprimento da sua vontade. No entanto, a beleza da adoração baseada no evangelho não deve ser encontrada nas cerimônias externas, mas no próprio Deus triúno.
O povo de Deus celebra a esperança escatológica. Os homens perdidos não descansam jamais da confiança em suas obras. Eles se apegam a ilusão de que poderão aproveitar o domingo para descansar o corpo, mas seu coração está sempre preso às falsas esperanças do dinheiro, da religião ou do poder. Para os crentes o Dia do Senhor é a oportunidade de reorientar o coração para aguardar a cidade celestial. A esperança verdadeira da irrupção definitiva do reino de Deus e da restauração final da Criação. De manter os olhos fixos em Cristo e os afetos alinhados com os desejos do seu Salvador. O puritano John Owen alertou que “a ampulheta de nossas vidas parece correr e estar no mesmo ritmo do fim dos tempos. [...] não pode existir ainda muita areia, e Cristo está sacudindo a ampulheta; não podem estar muitos minutos daquela hora”.
O povo de Deus testemunha da bondade de Deus. O dia do Senhor é a oportunidade perfeita para os crentes cuidarem de suas famílias e pregarem o evangelho da salvação aos perdidos. Os crentes foram revigorados e edificados pelo Senhor, derrotaram os seus piores inimigos na comunhão da igreja e foram redirecionados em suas perspectivas. Portanto, podem ir por toda terra falando das maravilhas de Deus.
Conclusão
No dia do Senhor, o povo de Deus refletindo seu Criador descansa em Deus e na promessa escatológica do descanso eterno que os aguarda. Também descansam na condição de participantes da aliança da graça. Experimentam refrigério em Cristo, em sua pessoa, em suas obras e em sua lei. Em todas essas coisas gloriosas sua alma tem profunda saciedade.
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