Paz e graça seja com todos
Efésios 6.21Tíquico, o irmão amado e servo fiel do Senhor, informará vocês de todas as coisas a meu respeito, para que também saibam como estou e o que tenho feito. 22Enviei‑o a vocês por esta mesma razão: para que saibam como estamos e para que ele os encoraje. 23Paz seja com os irmãos e amor com fé da parte de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo. 24A graça seja com todos os que amam o nosso Senhor Jesus Cristo com amor incorruptível.
Paulo chega ao fim de sua correspondência. Ele tratou de modo absolutamente magistral sobre cada um dos assuntos que propôs. Essencialmente, seu objetivo foi o de “esclarecer a todos a administração deste mistério que, durante épocas, foi mantido oculto em Deus, que criou todas as coisas” (Ef. 3.9). Esta conclusão ilustra vividamente o tema da unidade e do amor que Paulo defende ao longo de sua carta. Apesar de sua prisão, o apóstolo se preocupa com o bem-estar de seus leitores. Sua exposição da nova sociedade de Deus não é mera teoria teológica. Paulo e seus leitores são membros dela e devem aprofundar a comunhão uns com os outros.
A conclusão da epístola, suscita uma questão importante acerca da comunhão em nossas igrejas no século 21. Será que temos a mesma preocupação que Paulo manifesta por seus irmãos? Porque concebemos nossas igrejas de maneira tão distintas das igrejas apostólicas? A distância cronológica somente pode explicar a linguagem amorosa de Paulo e a nossa indiferença no tocante ao povo de Deus?
Nosso objetivo neste estudo é examinar a relação entre os irmãos da igreja de Éfeso com seu líder e ressaltar alguns elementos essenciais na nossa concepção da igreja de Cristo.
O relacionamento: amor e fidelidade
Efésios 6.21Tíquico, o irmão amado e servo fiel do Senhor
Tíquico foi um dos amigos íntimos e um dos mensageiros altamente apreciados de Paulo. Era oriundo da província da Ásia (mesma da cidade de Éfeso), e acompanhava o apóstolo quando este, no final da sua terceira viagem missionária, estava voltando da Grécia via Macedônia, e logo depois de cruzar a Ásia Menor se dirigia a Jerusalém (At. 20.4). Paulo confia a carta a ele para ser entregue. É evidente então, que o apóstolo tem completa confiança no seu colega mais jovem. Sua confiança nele não é somente para entregar as cartas (ele também portava a carta aos Colossenses) com segurança, como também para suplementar a sua mensagem com algumas notícias pessoais. O apóstolo chama-o de irmão amado, como também de servo fiel do Senhor.
A designação que Paulo mencionou quanto a seu companheiro de ministério nos fornece duas características fundamentais de todo líder e seus companheiros de ministério.
“irmão amado”. A característica fundamental e indispensável para qualquer relacionamento líder/liderado é o amor. Paulo amava o seu irmão Tíquico, que certamente, amava o irmão Paulo. Sem amor, o ministério e o serviço cristão se transformam em uma relação meramente comercial – onde os indivíduos estão buscando atender às suas demandas e obter vantagens e benefícios.
Precisamos de líderes que amam seus liderados, em contrapartida, necessitamos de liderados que amem os seus líderes. Contudo, o amor entre crentes deve ser marcadamente evangélico (fundamentado no evangelho de Jesus), a saber, o amor sacrificial. O que líderes e liderados devem sacrificar em favor do relacionamento: vontades, reputação, identidade (ego), conforto, dinheiro, tempo entre outras coisas.
“servo fiel do Senhor”. Um líder que não é caracterizado pela fidelidade ao Senhor vai transformar a liderança em trampolim para impulsionar a sua carreira. Tudo gira em torno de suas habilidades, capacidade, desempenho e resultados. Ele não depende de Jesus Cristo porque não serve a ele. Por outro lado, o líder servo fiel do Senhor, manifesta profunda devoção a Cristo, submissão perseverante de sua Palavra e dependência exclusiva do poder e da capacitação do Espírito Santo.
Da mesma forma, liderados que servem aos líderes em vez de servirem ao Senhor, tornam-se escravos de seus líderes, bajuladores das suas personalidades e cegos quanto aos seus pecados. Servos fiéis ao Senhor, por outro lado, são indispensáveis para o bom andamento da igreja de Cristo. Eles servem aos seus líderes como ao Senhor, são absolutamente honestos e profundamente carinhosos. Igrejas que têm pessoas assim, são distintivamente saudáveis.
Indiscutivelmente, todo cristão verdadeiro precisa em algum momento de sua vida, e em intensidades diferentes, de pessoas que sejam como Paulo, líder e encorajador; ou como Tíquico um servo amoroso e fiel ao Senhor. Nunca despreze pessoas como essas!
O meio: cultura de prestação de contas
Efésios 6.21Tíquico, o irmão amado e servo fiel do Senhor, informará vocês de todas as coisas a meu respeito, para que também saibam como estou e o que tenho feito.
As notícias ambíguas, ou falsas, frequentemente perturbam não só as mentes fracas, mas as vezes até mesmo pessoas maduras e firmes. Todos nós já presenciamos ou experimentamos os danos de situações parecidas. Com o fim de prevenir tal perigo, Paulo envia informações detalhadas acerca de: (1) todas as coisas a meu respeito; (2) para que também saibam como estou;(3) o que tenho feito. Paulo reitera a intenção de que seu colaborador coloque os leitores a par das notícias sobre ele mesmo e seu ministério. Tendo recém estado algum tempo com Paulo e sendo um “irmão amado” e um “servo fiel do Senhor” – um membro da família de Deus juntamente com todos os crentes -, Tíquico é a pessoa indicada para fornecer, enquanto visita igreja por igreja, toda informação necessária sobre Paulo, seus companheiros de trabalho, os irmãos de Roma e o andamento da obra do Senhor.
O bom costume de prestar contas detalhadas a respeito de suas atividades não é novidade na igreja Cristo. Os apóstolos praticavam e incentivavam os irmãos a fazerem o mesmo. Alguns textos evidenciam essa realidade:
Atos 11.1 Os apóstolos e os irmãos de toda a Judeia ouviram falar que os gentios também haviam recebido a palavra de Deus. 2Assim, quando Pedro subiu a Jerusalém, os que eram da circuncisão o criticavam, dizendo: 3― Você entrou na casa de homens incircuncisos e comeu com eles. 4Pedro, então, começou a explicar‑lhes exatamente como tudo havia acontecido:
Pedro foi convocado pela igreja de Jerusalém para apresentar a defesa de seu ministério na casa de Cornélio, o centurião romano (At. 10).
Atos 21.17 Quando chegamos a Jerusalém, os irmãos nos receberam com alegria. 18No dia seguinte, Paulo foi conosco encontrar‑se com Tiago, e todos os presbíteros estavam presentes. 19Paulo os saudou e relatou minuciosamente o que Deus havia feito entre os gentios por meio do seu ministério.
Depois de sua segunda viagem missionária, durante a permanência em Jerusalém, Paulo relatou minuciosamente os acontecimentos de seu ministério. Entretanto, não são somente os líderes que devem prestar contas de seus atos. Liderados também são chamados para relatar suas atividades uns aos outros e igualmente aos líderes. Vejamos:
Hebreus 13.17 Obedeçam aos seus líderes e sejam submissos a eles, pois cuidam de vocês como quem deve prestar contas. Obedeçam‑lhes para que eles cuidem de vocês com alegria, não com descontentamento; caso contrário, isso não será proveitoso para vocês.
Romanos 12.9 O amor deve ser sincero. Odeiem o que é mau; apeguem‑se ao que é bom. 10Dediquem‑se uns aos outros com amor fraternal, preferindo dar honra aos outros mais do que a vocês.
Atualmente, a cultura de prestação de contas e o desejo de relatar para os irmãos as nossas atividades foram abandonadas ou desprezadas. Cada um vive de acordo com a sua própria vontade e consciência. Ninguém está disposto a compartilhar a sua vida. Os motivos para desconsiderar o ensino bíblico de prestação de contas pode variar entre desobediência voluntária (ou involuntária) aos mandamentos de mutualidade (servir, dedicar-se e amar uns aos outros), para os relatos de abusos cometidos por pessoas ou lideranças – todos nós já ouvimos histórias de pessoas que foram feridas ao compartilhar suas vidas. Não podemos esquecer que essas situações, também, ocorriam na época de Paulo, porém, isso não o impediu de relatar as atividades de seu ministério.
Todavia, o que o apóstolo apresenta não está relacionado a nenhuma doutrina específica, por isso não existe uma forma de implantar ou desenvolver essa habilidade. O autor inspirado oferece a evidência de uma igreja saudável. Uma comunidade que compreende e experimenta os propósitos bíblicos para a igreja, a saber o discipulado, a adoração, o serviço e a comunhão, é uma igreja em que os membros naturalmente irão conectar suas vidas de maneira orgânica. Em igrejas saudáveis os vínculos são poderosos e as pessoas, literalmente, pertencem a Cristo e uns aos outros. Essa dinâmica se manifesta na dificuldade de camuflar ou de negligenciar a vida cristã em igrejas que com esse nível de comunhão. Espontaneamente, os crentes irão sentir-se “cobrados” por uma força invisível denominada na Escritura de “uns aos outros”.
O resultado: encorajamento
Efésios 6.22 Enviei‑o a vocês por esta mesma razão: para que saibam como estamos e para que ele os encoraje.
A mensagem que Tíquico teria de levar – tanto oral como escrita – não lhes traria somente informações acerca de Paulo, como também, iria encorajá-los. Acalmando os seus temores e provendo uma atmosfera de consolação e fortalecimento espiritual com base nas promessas de Deus. Se levarmos em conta que o apóstolo estava preso, pensar que alguém na sua situação se preocupa com outras pessoas impressiona. Calvino lembra: “Outro diria que tinha mais o que fazer com seus próprios problemas. Outros teriam que sair no encalço de sua assistência pessoal, em vez de alguém esperar da parte dele a menor consolação. Não, porém, Paulo. Ele envia homens em todas as direções em busca do fortalecimento das igrejas que ele mesmo fundara”. Em outras palavras, a consolação e a esperança mais eficazes possível, para o crente verdadeiro, é o próprio ensino apostólico que temos em nossas mãos.
Paulo nos oferece um vislumbre valioso do que seria encorajamento. As pessoas normalmente pensam no encorajamento com a aquiescência irrefletida das atitudes de outrem. Muitos imaginam que estão encorajando quando falam palavras animadoras ou utilizam das técnicas humanas. Contudo, para o autor inspirado, o verdadeiro encorajamento encontra-se na Palavra de Deus. Somos verdadeiramente encorajados, quando irmãos, amorosos e fiéis, falam da verdade da doutrina de Deus sem medo. Quando as motivações do coração são expostas diante dos nossos olhos e contrastadas com a majestade de Deus. Quando somos feridos na consciência e chamados a responder com graça e compaixão. Somos encorajados quando Deus por meio de sua santa palavra nos oferece perdão, amor e serviço e, a seguir, ordena que estendamos o mesmo a outras pessoas. A palavra de Deus é o maior e mais poderoso elemento de fortalecimento, crescimento e edificação da nossa existência. Paulo sabia disso e ofertou a verdade de Deus para os irmãos de Éfeso. Ofereça sempre e de modo sistemático a voz de Deus como encorajamento aos seus irmãos.
Uma palavra despedida
Efésios 6.23 Paz seja com os irmãos e amor com fé da parte de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo. 24A graça seja com todos os que amam o nosso Senhor Jesus Cristo com amor incorruptível.
“Paz seja com os irmãos” dessa forma o apóstolo inicia sua despedida. Paz é uma palavra característica desta carta. Jesus Cristo “é a nossa paz” já que ele derrubou a parede da separação e criou uma nova sociedade – judeus e gentios vivendo em paz. Ademais, Paulo pinta um belo quadro da comunhão da igreja e do lar cristão permeados com amor e paz. O segundo desejo/oração dele é este: “A graça seja com todos os que amam o nosso Senhor Jesus Cristo com amor incorruptível”. Com essa expressão caracterizou os seus leitores cristãos em termos do seu amor por Cristo. Nesse caso, a oração é que a graça acompanhe aqueles que amam a Jesus. Todos os que experimentam a graça são marcados por amor a Cristo.
O apóstolo começou a carta desejando aos seus leitores “Graça e paz a vocês da parte de Deus, o nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo” (Ef. 1.2); agora termina-a com uma referência semelhante. Nenhuma dupla de palavras poderia resumir de modo mais sucinto a mensagem da carta. A paz, portanto, no sentido de reconciliação com Deus e uns com os outros, é a grande realização de Jesus Cristo; e a graça é a razão pela qual assim fez e a maneira de fazê-la. Além disso, as duas são indispensáveis a todos os membros da nova sociedade de Deus.
Conclusão
Tomo a liberdade, portanto, ao terminar o nosso estudo desta carta aos Efésios, de fazer minhas as palavras de Paulo, e dirigi-las a meus leitores: “paz seja com os irmãos e irmãs” e “a graça seja com todos”. John Stott.
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