As raízes da Reforma




À medida que nos aproximamos do aniversário de 508 anos da Reforma Protestante do século XVI, somos novamente desafiados a examinar os fundamentos desse movimento que resgatou a Igreja de Cristo.

Em um cenário que reflete a confusão de nossa época, vemos crentes fiéis, influenciados por aspectos políticos e ideológicos, abandonarem os princípios da Reforma para abraçar antigas heresias do papado. Pessoas piedosas são seduzidas por clérigos católicos, iludidas por pregações de amor e inclusão.

Diante disso, torna-se essencial refletir sobre os princípios da Reforma que guiam os verdadeiros seguidores de Cristo. Portanto, convido os irmãos a meditar intensamente nos próximos domingos sobre o legado dos reformadores: As raízes da Reforma, as cinco solas, os cinco pontos do calvinismo e a confessionalidade puritana.


Renovação pelo evangelho

1Coríntios 15.3 Antes de tudo, entreguei a vocês o que também recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, 4e que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras.

Paulo ensina o que recebeu e que os demais apóstolos também ensinavam: a mensagem que Cristo morreu pelos nossos pecados. Morreu em nosso lugar (dos pecadores) e, assim, para o nosso benefício, segundo as Escrituras. Após sua morte na cruz, Jesus ressuscitou dos mortos, segundo as Escrituras.

Muitos historiadores se dedicaram a explicar a Reforma a partir de causas sociais, políticas e econômicas. É inegável que cada uma dessas esferas teve sua importância, por vezes considerável. Contudo, a essência da Reforma residiu em um movimento teológico, impulsionado por questões doutrinárias.

O que distinguiu a Reforma foi sua profunda preocupação teológica com o próprio evangelho, que havia sido ensinado pelos autores bíblicos, apóstolos e pais da Igreja, mas se perdera. O pelagianismo e o semipelagianismo se disseminaram amplamente, especialmente na esfera popular, devido à influência de certas correntes do catolicismo medieval. Contudo, o que mais corrompeu o evangelho foi a nefasta prática papal da venda de indulgências. Essa prática tornou-se o catalisador da Reforma, culminando com Lutero afixando suas 95 teses contra as indulgências papais na Igreja do castelo em Wittenberg, em 31 de outubro de 1517.

Como Lutero escreveu a Staupitz, "eu ensino que as pessoas devem depositar sua fé em Jesus apenas, não em suas orações, em seus méritos ou em suas boas ações". Essa única frase resume a essência da pauta da reforma. Em outras palavras, a Reforma foi uma ênfase renovada na doutrina correta, e a doutrina que estava no centro das atenções era uma boa compreensão da graça de Deus no evangelho de seu Filho, Jesus Cristo. É apropriado concluir, portanto, que a Reforma foi essencialmente evangélica.

Nitidamente, precisamos resgatar o evangelho em nossas Igrejas atualmente. Os crentes precisam experimentar a renovação pelo evangelho. A renovação pelo evangelho é um resgate do evangelho de efeitos transformadores para a vida. É impreciso achar que o evangelho salva os não cristãos e depois eles amadurecem pelo árduo esforço de viverem segundo os princípios bíblicos. Somos salvos por crer no evangelho e depois somos transformados em cada aspecto da nossa mente, do nosso coração e da nossa vida ao crermos no evangelho de forma cada vez mais profunda, à medida que vivemos.


A Bíblia no coração da Igreja

Efésios 5.18Não se embriaguem com vinho, que leva à libertinagem, mas sejam cheios com o Espírito, 19falando uns aos outros com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando ao Senhor de coração, 20sempre dando graças a Deus Pai por todas as coisas, em nome do nosso Senhor Jesus Cristo. 21Sujeitemse uns aos outros no temor de Cristo.

Essa passagem apresenta um retrato da Igreja cheia da presença do Deus trino, de uma forma muito semelhante à presença de Deus quando o povo estava reunido no A.T.. John Stott diz: “a referência diz respeito à comunhão cristã, e a menção de “salmos, hinos e cânticos espirituais” (que não se distinguem facilmente entre si, embora a primeira palavra subentenda um acompanhamento musical) indica que o contexto é o culto público”. No centro do ensino apostólico sobre ser cheio do Espírito Santo está o culto público de adoração do povo de Deus.

O lema da Reforma, "Igreja reformada, sempre reformando", fundamentava-se no princípio formal da Reforma: sola Scriptura. Este princípio defende que somente a Escritura, por ser a Palavra inspirada de Deus, é a autoridade inerrante, suficiente e final para a Igreja.

Em nenhum lugar esse princípio formal estava mais visível para as pessoas comuns do que na reorientação da Igreja em torno da Palavra pregada e proclamada. Uma das declarações mais chocantes que os reformadores fizeram em resposta a Roma envolveu a reorganização do mobiliário na igreja. Para Roma, o culto acontecia em torno do altar, a missa em latim era o evento central. As pessoas iriam à igreja esperando ouvir a missa sendo dita, não a Escritura sendo proclamada. Mas os reformadores deram ao púlpito a posição de prioridade. Para eles, o evento central do culto era a Palavra do Deus vivo pregada e proclamada na língua do povo para a salvação e a edificação dos santos. Para os católicos, o papel principal do clero permanece sacramental e litúrgico; para os reformadores protestantes, o papel principal era pregar a Palavra de Deus.

A essência da Reforma Protestante reside na restauração do sermão pelos reformadores, que o tiraram da obscuridade para recolocá-lo no centro do culto e da liturgia eclesiástica. Um exemplo notável é a pintura do Templo de Paradise, uma igreja protestante francesa em Lyon, onde todas as atividades e os fiéis convergem para a proclamação da Palavra de Deus.

Ademais, na Idade Média, a Igreja considerava a pregação um meio de graça, um sacramento. Para eles, a pregação estava intrinsecamente ligada ao sacramento da penitência, visando induzir profunda ansiedade nos fiéis para levá-los à penitência.

Em contraste, embora os reformadores considerassem a eucaristia fundamental no culto como um meio de graça e defendessem uma teologia sacramental distinta da católico- romana, o foco principal era a proclamação do evangelho, com as páginas da Bíblia sendo lidas, oradas, cantadas e expostas. A diferença fundamental nos sermões dos reformadores era que eles não deixavam as almas ansiosas por seus próprios méritos. Em

vez disso, direcionavam o olhar das pessoas de si mesmas para a cruz e o túmulo vazio. A resposta não era a penitência, mas sim um Salvador crucificado e ressuscitado – um Salvador cuja justiça, é importante lembrar, era imputada àqueles que Nele confiam para a salvação.

Desse modo, a questão de como o culto público de adoração do povo de Deus deve ser concebido e conduzido é de extrema importância, ao custo da fragmentação irreversível de comunidades cristãs vivas, saudáveis e evangelísticas.

  1. Os aspectos distintivos do culto público de adoração: glorificar a Deus, edificar os crentes e testemunhar aos incrédulos.

  2. As atividades específicas quando a Igreja se reúne no culto público de adoração: Deus revelou e ordenou a sua vontade na Bíblia concernente às atividades dos crentes no culto público - Princípio regulador de culto.

    • A missa católica: toda ação acontece no altar e os crentes são apenas

      espectadores dos acontecimentos sem qualquer participação.

    • O princípio normativo: o que não for diretamente proibido nas escrituras é

      permitido no culto.

    • A celebração contagiante: o culto deve ser uma celebração contagiante,

      contextualizada, irreverente e sensorial.

  3. Adistinçãoentretrêstermosfundamentaisdoculto:oselementosdoculto,asformas

    e as circunstâncias.

    • Os elementos do culto consistem em atividades que a Bíblia nos ordena a realizar na adoração comunitária.

    • As formas se referem à maneira pela qual tratamos os elementos do culto público de adoração.

    • Circunstâncias são aspectos práticos de como uma Igreja organiza suas reuniões de adoração.


    Um dever sagrado

    2 Timóteo 3.16 Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, 17a fim de que o servo de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra. 1Diante de Deus e de Cristo Jesus, que há de julgar vivos e mortos, pela sua manifestação e pelo seu Reino, peço a você com insistência 2que pregue a palavra, insista, quer seja oportuno, quer não, corrija, repreenda, exorte com toda a paciência e doutrina.

    Paulo insta seu jovem discípulo a pregar a Palavra e oferece dois motivos essências para a realização da tarefa: A inspiração divina e a perenidade da Escritura e a iminente chegada do reino definitivo de Deus.

    No entendimento de Lutero, o ofício de pregador era um "dever sagrado", e ele ficaria, no mínimo, perturbado ao ver a displicência com que alguns pastores hoje sobem ao púlpito. Ele advertia enfaticamente: "Quem não prega a Palavra não é, de fato, sacerdote".

    A pregação possuía um significado profundo e uma autoridade intrínseca. Proclamar a Escritura equivalia a proclamar a própria Palavra de Deus. A autoridade do pregador advinha, portanto, da suprema autoridade da Igreja: as Escrituras inspiradas por Deus. Em suma, a doutrina do Sola Scriptura foi o pilar fundamental que impulsionou a teologia reformada da pregação

    Diante da autoridade da Palavra e do poder salvador do evangelho, os reformadores não apenas posicionaram o púlpito no centro, mas também estabeleceram e praticaram um método específico: a pregação expositiva. Eles se dedicavam a expor o significado do texto bíblico, elucidando a intenção do autor e, em seguida, aplicando a mensagem aos ouvintes. Desse modo, o ponto central da passagem bíblica tornava-se o cerne do sermão. Calvino, por exemplo, abordava livros inteiros da Bíblia em suas exposições. Geralmente, os domingos eram dedicados ao Novo Testamento (embora ele também pregasse uma série de sermões sobre os Salmos nas tardes de domingo), enquanto os dias de semana eram reservados ao Antigo Testamento.

    Calvino criticava os "sermões água com açúcar" que selecionavam passagens bíblicas aleatoriamente, ignorando o contexto, o que frequentemente resultava em erros. Ele, por sua vez, dedicava-se a pregar e interpretar as Sagradas Escrituras de forma pura, casta e fiel, tanto em seus sermões quanto em seus escritos e comentários.

    O Dr. Martyn Lloyd Jones disse: “para mim, a obra da pregação é a mais elevada, a maior e a mais gloriosa vocação para a qual alguém pode ser convocado. Se alguém quiser saber doutra razão em acréscimo, então eu diria, sem qualquer hesitação, que a mais urgente necessidade da Igreja cristã da atualidade é a pregação autêntica; e, posto ser a maior e mais urgente necessidade da Igreja, é óbvio que também é a maior necessidade do mundo”.

    Uma Igreja que se dedica à pregação expositiva é uma Igreja saudável e em crescimento espiritual. É fundamental que toda a Palavra de Deus seja pregada expositivamente, para que não se selecionem apenas alguns temas. Existem passagens bíblicas que podem ser desconfortáveis, e é preciso ter cautela ao escolher uma Igreja ou pregador que não valorize a pregação expositiva, ou que não se comprometa em expor toda a Bíblia, mesmo as partes mais desafiadoras.

    Outro aspecto que requer atenção é a dependência das Igrejas em relação aos seus pastores. Curiosamente, quando a pregação expositiva é praticada, nossa dependência do pregador diminui, pois nosso interesse principal se volta para a Palavra de Deus. Desse modo, se o pastor se ausenta, é transferido ou falece e um novo assume, a igreja permanece estável. Amamos nosso pastor, mas o amor pela Palavra de Deus está acima. É isso que desejamos ouvir, pois é a escuta da Palavra de Deus que edifica a igreja.

    Conclusão

    Esta introdução pretendeu destacar um único ponto crucial: no centro da Reforma estava um retorno a uma Igreja centrada na Palavra e no evangelho. Não há nenhuma dúvida de que essa era a grande necessidade da Igreja no século XVI. No século XXI, a necessidade da Igreja não mudou. Não só permanecem diferenças importantes e significativas entre protestantes e católicos, mas uma série de questões doutrinárias e eclesiológicas desafiam- nos a uma reforma moderna. Em outras palavras, ao contrário do que ocorreu no século XVI, as questões com que os evangélicos protestantes devem lidar não estão limitadas ao diálogo entre protestantes e católicos, mas também incluem desafios internos do próprio evangelicalismo.


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