Cheios com o Espírito: Aspectos distintivos do culto
Efésios 5.18Não se embriaguem com vinho, que leva à libertinagem, mas sejam cheios com o Espírito, 19falando uns aos outros com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando ao Senhor de coração, 20sempre dando graças a Deus Pai por todas as coisas, em nome do nosso Senhor Jesus Cristo. 21Sujeitem‑se uns aos outros no temor de Cristo.
Paulo finaliza toda a seção em que ele tratou da pureza da igreja (4.17 a 5.21) com o que pode ser considerado o poder capacitador e sustentador da santidade da igreja. Ele compara dois estados das pessoas: a embriaguez que produz libertinagem, e ser cheio do Espírito que gera adoração. Quando o apóstolo menciona os frutos inerentes daqueles que são cheios com o Espírito ele retrata a igreja cheia da presença do Deus trino, de uma forma muito semelhante a presença de Deus quando o povo estava reunido no A.T.. John Stott diz: “a referência diz respeito à comunhão cristã, e a menção de “salmos, hinos e cânticos espirituais” (que não se distinguem facilmente entre si, embora a primeira palavra subentende um acompanhamento musical) indica que o contexto é o culto público”. No centro do ensino apostólico sobre ser cheio do Espírito Santo está o culto público de adoração do povo de Deus.
Nos estudos anteriores procuramos mostrar que para entender o culto de adoração do povo de Deus, precisamos começar definindo quem é esse povo. A Bíblia descreve a igreja como a embaixada do reino de Deus, o templo de Deus e o corpo de Cristo. A seguir, respondemos os motivos pelos quais a igreja deve se reunir frequentemente. Por que as pessoas vão à igreja? A resposta pode variar entre ir para louvar a Deus ou ainda por causa do mandamento. Contudo, existe uma razão profunda, maravilhosa e teológica: Deus reúne o seu povo. Agora, vamos seguir a partir desse ponto. Por que Deus nos reúne? Quais são os propósitos e prioridades para a igreja reunida? Definir os objetivos para o culto público ajuda a combater o famigerado, mas constante pragmatismo tão presente nas igrejas.
O problema do pragmatismo
O pragmatismo é a ideia de dispor do culto público para agradar as pessoas ou do modo que poderia dar melhor e maiores resultados. A liberdade de fazer o que funciona melhor. A seleção das músicas é feita com base no efeito que produzem e não em seu conteúdo bíblico. A leitura das Escrituras foi substituída por boas vindas calorosas. As orações foram encurtadas ou até mesmo excluídas completamente para não atrapalharem o “mover”. O sermão foi modificado do ensino doutrinário e cuidadosamente exposto de porções das Escrituras por palestras improvisadas conduzidas por um preletor sofisticado e carismático. O centro do pensamento pragmático reflete uma mudança invisível e imperceptível do teocentrismo para o antropocentrismo. Kent Hughes no livro “Louvor” analisou o cenário:
A adoração coletiva tomou a forma de algo feito para uma audiência em oposição a algo feito para uma congregação. E, em muitos lugares, o culto passou a ser considerado uma espécie de entretenimento, como sugerem os termos chocantes “palco”, “programa” e “número musical”. Não é demais dizer que alguns pregadores degradaram o sermão para uma forma de entretenimento massivo. Hoje, o movimento “atender ao gosto da audiência”, no que se apresenta de pior, tem conscientemente cultivado o antropocentrismo e o pragmatismo.
Desse modo, a questão de como o culto público de adoração do povo de Deus deve ser concebido e conduzido é de extrema importância, ao custo da fragmentação irreversível de comunidades cristãs vivas, saudáveis e evangelísticas. Nesse sentido, três aspectos distintivos do culto público de adoração devem instruir e fundamentar a maneira com que os crentes se reúnem.
Aspectos distintivos do culto público: a glória de Deus
A igreja se reúne para desfrutar, contemplar, ouvir e adorar ao Rei do universo, o Deus todo poderoso. Deus nos reúne para glorificá-lo. D.A. Carson afirma que “adoração é uma resposta apropriada a Deus” a seguir, ele cita quatro razões:
“Em ambos os testamentos, a adoração é repetidamente recomendada ao povo da aliança.”
1 Crônicas 16.29 Deem ao Senhor a glória devida ao seu nome! Traga uma oferta e entrem na sua presença! Adorem ao Senhor no esplendor da sua santidade!
Salmo 95.6 Venham! Adoremos prostrados e ajoelhemos diante do Senhor, o nosso Criador. 7Pois ele é o nosso Deus, e nós somos o povo do seu pastoreio, o rebanho sob os seus cuidados.
Mateus 4.10 Então, Jesus lhe disse: ― Retire‑se, Satanás! Pois está escrito: “Adore ao Senhor, o seu Deus, e só a ele preste culto”.
Hebreus 13.15 Por meio de Jesus, portanto, ofereçamos continuamente a Deus um sacrifício de louvor, que é fruto de lábios que confessam o seu nome.
Atos 2.46 Todos os dias, continuavam a reunir‑se no pátio do templo. Partiam o pão em casa e juntos participavam das refeições com alegria e sinceridade de coração, 47louvando a Deus e tendo a simpatia de todo o povo. E o Senhor lhes acrescentava diariamente os que iam sendo salvos.
“Está fundamentada no próprio caráter e nos atributos de Deus”.
Salmo 29.2 Atribuam ao Senhor a glória devida ao seu nome; adorem ao Senhor no esplendor da sua santidade.
Salmo 34.3 Engrandeçam ao Senhor comigo; juntos exaltemos o seu nome.
“A realidade de que só ele é o Criador”.
Salmo 95.6 Venham! Adoremos prostrados e ajoelhemos diante do Senhor, o nosso Criador. 7Pois ele é o nosso Deus, e nós somos o povo do seu pastoreio, o rebanho sob os seus cuidados.
Salmo 100.3 Reconheçam que o Senhor é Deus. Ele nos fez, e somos dele: somos o seu povo, rebanho do seu pastoreio.
Apocalipse 4. 11“Digno és tu, Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e o poder, porque criaste todas as coisas, e por tua vontade elas existem e foram criadas”.
“Refletir sobre o que Deus mesmo revelou acerca de suas próprias expectativas”.
Carson explica esse ponto da seguinte forma: “não devemos começar perguntando se gostamos ou não de “adoração”, mas perguntar: “o que Deus espera de nós?”. Matt Merker enumera o que distingue o culto público de adoração, centrado na glória de Deus:
Seriedade – “despertar nosso coração para que ele sinta prazer nos atributos e ações de Deus”.
Alegria – “É preciso que nossos cultos reflitam a realidade que muda a vida: Cristo ressuscitou.”
Gratidão – “… o rico aroma das ações de graças deve permear nossa adoração” .
A exaltação da glória do caráter e da natureza de Deus deve ser a motivação primária e a força propulsora do culto público de adoração de igrejas saudáveis. Por essa perspectiva, existe uma relação intrínseca entre a saúde da igreja e sua capacidade de exaltar a glória de Deus. Igrejas saudáveis manifestam o desejo natural de exaltar ao Deus único e verdadeiro, Criador e sustentador do universo. Em outras palavras, quanto mais sadia for a igreja, tanto mais sua adoração estará centrada em Deus. Quanto mais centrada em Deus for a adoração da igreja tanto mais saudável essa igreja será. A cada reunião de domingo, em que a igreja exalta a glória de Deus, o coração dos crentes é reajustado e as suas vidas transformadas. À medida que a igreja centraliza sua adoração em Deus cada vez mais será como ele.
Aspectos distintivos do culto público: a edificação mútua
A exaltação da glória de Deus é a dimensão vertical da nossa resposta apropriada a Deus. A edificação é a dimensão horizontal da mesma resposta. As duas acontecem ao mesmo tempo. Em outros termos, quando exaltamos a glória de Deus, edificamos uns aos outros. Aos domingos, o vertical e o horizontal são inseparáveis.
Na prática, embora nossa adoração seja dirigida a Deus, incentivamos uns aos outros, como se estivéssemos dizendo: Está ouvindo este Salmo? Prestou atenção na letra dessa canção? Ouviu essa oração? Notou o texto da pregação de hoje? Alegre-se no Senhor! Creia em suas promessas! Descanse na Palavra de Deus!
Estamos reunidos para amar uns aos outros assim como Cristo nos amou. Essa verdade revoluciona a forma como entendemos o culto público de adoração. Por causa dessa verdade, vamos ao culto para receber de Deus, enquanto servimos uns aos outros. Quando estamos em oração, não pensamos somente em nossas vidas, oramos pelos irmãos a quem amamos e queremos edificar. O sermão não é apenas a oportunidade de sermos edificados, mas também de edificar as outras pessoas. Todos têm um trabalho a fazer no culto público de adoração do povo de Deus. Ninguém pode ficar indiferente e inativo. Uma comunidade em que as pessoas se sentam confortavelmente e absorvem de forma passiva o que está acontecendo na plataforma é um povo que corrói a edificação mútua. Matt Merker aponta:
Não é certo planejar nossos encontros como se fossem “sobretudo uma forma de facilitar a comunhão particular com Deus”. Portanto, de um modo muito prático, gosto de fazer parte de uma igreja em que as luzes ficam acesas. Gosto também da organização dos bancos em semicírculo. Dá para ver o rosto das pessoas e ouvir a voz delas. A Bíblia, é claro, não exige que sigamos essas decisões práticas e arquitetônicas. No entanto, são detalhes que dizem algo em bom e alto som: “Essa é uma igreja em que ministramos uns aos outros”.
Aspectos distintivos do culto público: a evangelização
Nossos encontros devem ser evangelísticos. Ao exaltarmos a glória de Deus e edificarmos uns aos outros, os incrédulos podem conhecer o Deus vivo. Em todo o relato do N.T. os escritores vislumbraram a presença de não crentes nas reuniões do povo de Deus para ouvir as boas-novas de Jesus e se converterem. Desse modo, em nossos cultos de adoração pública existe sempre a expectativa de que Deus concederá nova vida aos perdidos por meio da proclamação do evangelho de Cristo Jesus.
Entretanto, ultimamente, uma filosofia de culto e ministério muito difundida tem levado as igrejas a repaginar os seus cultos tendo o incrédulo em mente. As igrejas deste espectro geralmente priorizam aqueles de fora que “eles estão buscando”. Proporcionando-lhes cultos de adoração contagiantes, irreverentes, atento as necessidades da vida e as questões que interessam apenas ao não cristão. A Bíblia está presente, mas os assuntos espinhosos foram gradualmente modificados para tornar a pregação mais compreensível, entretanto, no final, o que restou foi apenas a mensagem diluída. O objetivo final é fazer o indivíduo tomar uma decisão por Cristo. De modo geral, o impulso que os leva a serem sensíveis aos que estão sendo evangelizados resulta em cultos que são voltados em primeiro lugar e acima de tudo para o não crente. Qualquer um deve concordar que os cultos devem ser evangelísticos, no entanto, a forma como Deus nos chamou para evangelizar não pede que façamos do visitante o nosso “público alvo”.
O culto é a reunião do povo de Deus, reunido pela vontade soberana dele, na qual as prioridades são a exaltação de sua glória e a edificação uns dos outros. Essa é precisamente a forma que ele pretende usar em nossos cultos de adoração para atrair as pessoas a Cristo. Em resumo, evangelizamos quando fazemos o que Deus ordenou que seu povo fizesse enquanto estivesse reunido em seu nome. A exaltação da glória de Deus e a edificação da igreja não são contrárias à evangelização dos perdidos. Elas são justamente o que Deus ordenou para o seu povo e o que ele usa para converter os descrentes no nosso meio.
Na prática, como isso acontece?
Por meio do evangelho. Engrandecemos as maravilhas da graça de Deus quando anunciamos os atos poderosos do Filho de Deus: o seu nascimento virginal, a sua vida perfeita, as suas obras milagrosas, o seu sacrifício na cruz por pecadores perdidos, a sua ressurreição dos mortos e a promessa da sua volta gloriosa para restaurar todas as coisas. Um culto saturado do evangelho é precisamente como exaltamos a Deus, edificamos o seu povo e evangelizamos os perdidos.
Em oração. Os crentes devem orar para que Deus se revele e conceda nova vida aos mortos espiritualmente. Declaramos o evangelho e confiamos na força de Deus sem estratégias humanas ou adornos artificiais. Deus é quem concede fé aos incrédulos por sua graça.
Batalhando espiritualmente. Em nossos cultos públicos de adoração, testificamos de um reino que não pode ser abalado. De um libertador infinitamente mais poderoso que os falsos salvadores das religiões pagãs e da política. Rejeitamos os poderes e as falsidades das riquezas, do sexo e do status. Essa é a verdadeira guerra que está sendo travada: uma batalha contra a idolatria, convocando pessoas a servirem ao único rei verdadeiro.
Tornando o culto inteligível para os descrentes. Usar linguagem comum para todas as pessoas. Uma tradução da Bíblia que seja compreensível aos de fora da igreja. Explicar o que está acontecendo no culto: porque estamos falando, cantando, orando, coletando recursos, pregando a mensagem. Não precisamos evitar os termos bíblicos e teológicos, porém, é preciso explicar seus significados aos descrentes.
Conclusão
Quando nos reunimos, Deus opera poderosamente entre nós para revelar e expressar sua própria glória e para a nossa edificação. Ao fazer isso, ele age em nós e por meio de cada um de nós como igreja local reunida em adoração para proclamar o evangelho e conceder salvação aos que estão perdidos.
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