Cheios com o Espírito: Atividades no culto




Efésios 5.18Não se embriaguem com vinho, que leva à libertinagem, mas sejam cheios com o Espírito, 19falando uns aos outros com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando ao Senhor de coração, 20sempre dando graças a Deus Pai por todas as coisas, em nome do nosso Senhor Jesus Cristo. 21Sujeitemse uns aos outros no temor de Cristo.


Paulo compara dois estados das pessoas: a embriaguez que produz libertinagem, e ser cheio do Espírito que gera adoração. Quando o apóstolo menciona os frutos inerentes daqueles que são cheios com o Espírito ele retrata a igreja cheia da presença do Deus trino, de uma forma muito semelhante a presença de Deus quando o povo estava reunido no A.T.. John Stott diz: “a referência diz respeito à comunhão cristã, e a menção de “salmos, hinos e cânticos espirituais” (que não se distinguem facilmente entre si, embora a primeira palavra subentende um acompanhamento musical) indica que o contexto é o culto público”. No centro do ensino apostólico sobre ser cheio do Espírito Santo está o culto público de adoração do povo de Deus. 


Nos estudos anteriores procuramos mostrar que para entender o culto de adoração do povo de Deus, precisamos começar definindo quem é esse povo. A Bíblia descreve a igreja como a embaixada do reino de Deus, o templo de Deus e o corpo de Cristo. A seguir, respondemos a indagação: Por que as pessoas vão à igreja? A resposta é que existe uma razão profunda, maravilhosa e teológica: Deus reúne o seu povo. No último estudo tratamos da questão: Por que Deus nos reúne? Quais são os propósitos e prioridades para a igreja reunida? O que distingue o culto cristão de outros cultos? Quando nos reunimos, Deus opera poderosamente entre nós para revelar e expressar sua própria glória e para a nossa edificação. Ao fazer isso, ele age em nós e por meio de cada um de nós como igreja local reunida em adoração para proclamar o evangelho e conceder salvação aos que estão perdidos.


Agora vamos tratar de quais atividades específicas a igreja pode e deve fazer quando se reúne no culto público de adoração? Será que existem atividades próprias no culto? Algumas pessoas podem argumentar dizendo que não podemos ser muito rígidos nesse aspecto e que a liberdade precisa ser uma marca do culto do povo de Deus. Contudo, observamos nas Escrituras que a adoração comunitária é uma atividade regulada. Portanto, o assunto principal deste capítulo é: Deus por meio da sua Palavra, estabelece o que o seu povo deve fazer no culto público de adoração. 


Os princípios de culto


1 Coríntios 14.26 Portanto, que diremos, irmãos? Quando vocês se reúnem, um tem salmo, um tem ensino, um tem revelação, um fala em línguas e um tem a interpretação. Tudo seja feito para a edificação da igreja.


Paulo elenca os elementos constantes no culto de adoração da igreja de Corinto. Mesmo sem explicar com detalhes cada componente, o apóstolo menciona salmo, ensino, revelação (profecia) e oração. Ele praticamente repete os mesmos elementos presentes no culto da igreja de Éfeso. 


Efésios 5.19falando uns aos outros com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando ao Senhor de coração, 20sempre dando graças a Deus Pai por todas as coisas, em nome do nosso Senhor Jesus Cristo. 21Sujeitemse uns aos outros no temor de Cristo.


Qualquer igreja tem o seu próprio princípio para regular as atividades que serão realizadas durante o culto. Algumas podem reconhecer essa realidade e optar de maneira proposital por qual princípio seguir, outras, simplesmente, irão fazer sem muita ponderação, mas todas seguirão um princípio de culto. De modo geral, temos quatro princípios norteadores de culto:


A missa católica: Nas palavras de Pio XII a missa “não é (...) uma pura e simples comemoração da paixão e morte de Jesus Cristo, mas é um verdadeiro e próprio sacrifício, no qual, imolando-se incruentamente, o sumo Sacerdote faz aquilo que fez uma vez sobre a cruz, oferecendo-se todo ao Pai (…).”. Na missa o corpo de Cristo é sacrificado de “novo” para Deus. Por meio desse sacrifício “sem sangue”, oferecido dia após dia, se apazigua a ira divina contra o pecado. 


Como a missa é o “novo” sacrifício, todas as atividades estão centradas em Cristo. Um padre resumiu assim as atividades durante a missa: “Não é a comunidade que está no centro da Missa; a ação principal não está sendo realizada nem pelo sacerdote nem pela assembleia, mas por Jesus. Para participar ativamente da Santa Missa, os fiéis devem ser motivados a perscrutar o que se passa no altar”. Em outras palavras, toda ação acontece no altar e os crentes são apenas espectadores dos acontecimentos sem qualquer participação. Não precisa dizer que a Bíblia não ensina isso, pelo contrário, os crentes são chamados a participarem do culto de maneira ativa. 


Romanos 12.1 Portanto, irmãos, peço, pelas misericórdias de Deus, que ofereçam o corpo de vocês como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus: este é o culto racional de vocês.


1 Coríntios 14.26 Portanto, que diremos, irmãos? Quando vocês se reúnem, um tem salmo, um tem ensino, um tem revelação, um fala em línguas e um tem a interpretação. Tudo seja feito para a edificação da igreja.


O princípio normativo: Esse princípio ensina que o que não for diretamente proibido nas escrituras é permitido no culto. Os ritos e cerimônias da Igreja devem ser “normatizados” ou mensurados pelas Escrituras, e não “regulados” por elas. A Igreja é livre para reter ou estabelecer tudo o que não conflitar com as Escrituras, desde que seja feito decentemente e com ordem. As igrejas anglicanas e luteranas adotam esse princípio, por isso é comum nessas igrejas a presença de vestimentas, acólitos, coro com togas, velas, hinos acompanhados por um órgão, as pessoas fazem o sinal da cruz e se for um dia de festa, pode haver incenso.


Em determinados grupos o princípio normativo foi levado até às últimas consequências e permitiu diversas atividades de culto estranhas mesmo aqueles “normatizados” pela Bíblia. 


As celebrações contagiantes: Esse princípio entende que o culto deve ser uma celebração contagiante, contextualizada, irreverente e sensorial. Um importante proponente desse princípio disse: “Uma igreja inspiradora inspira por meio de suas celebrações, porque elas revelam de uma forma muito precisa quem ela é. Ela não tem medo de fazer mudanças, de experimentar novos formatos e estilos (...)”. Não precisamos dizer que neste caso o problema essencial está na questão dos aspectos distintivos do culto. O culto contagiante tem como razão fundamental atender ao “gosto da audiência” e, em suma, não é um culto cristão verdadeiro. Mesmo assim, a maioria dos proponentes deste tipo de culto, pode não admitir que os cultos de suas igrejas estão ligados a esse princípio. 


O princípio regulador:  O princípio regulador defende o argumento de que Deus revelou e ordenou a sua vontade na Bíblia concernente às atividades dos crentes no culto público. Fundamenta-se na ideia de que Deus não deixou por nossa conta decidir quais atividades de adoração comunitária são válidas. Nessa perspectiva, as atividades do culto devem obedecer às ordens expressas nas Escrituras e os crentes exercem seus dons de modo ativo. A Confissão de Fé Batista de 1689 assevera: 


Mas a maneira aceitável de se cultuar o Deus verdadeiro é aquela instituída por Ele mesmo, e que está bem delimitada por sua própria vontade revelada, para que Deus não seja adorado de acordo com as imaginações e invenções humanas, nem com as sugestões de Satanás, nem por meio de qualquer representação visível ou qualquer outro modo não prescrito nas Sagradas Escrituras.


Matt Merker resumiu de maneira apropriada o princípio regulador do culto:


O princípio regulador não reprime. Ele liberta. Livra o pastor da tirania de ser inteligente ou criativo o suficiente para atrair as pessoas à igreja. Liberta os crentes de ter a consciência violada pelo engano. Liberta a nós todos para nos concentrarmos em Deus, fonte e objeto da nossa adoração. 


O princípio regulador é uma postura 


Colossenses 3.16 Que a palavra de Cristo habite plenamente em vocês. Ensinem e aconselhem uns aos outros com toda a sabedoria; cantem salmos, hinos e cânticos espirituais a Deus com gratidão no coração.


Nesta passagem, Paulo relembra os elementos constantes no culto das igrejas do N.T.. Qualquer observador atento, vai notar que a Bíblia nos diz claramente o que devemos fazer no culto público de adoração, todavia, ela não estabelece até o último detalhe como devemos fazê-lo. Em resumo, o princípio regulador diz respeito aos atos ou elementos essenciais da reunião comunitária do povo de Deus. Conduzir a igreja reunida a fazer apenas o que a Escritura ordena. O princípio regulador repousa em três argumentos principais: 


  1. O argumento da idolatria. 


Êxodo 32.5 Vendo isso, Arão edificou um altar diante do bezerro e anunciou: ― Amanhã haverá uma festa dedicada ao Senhor.


O texto relata que as pessoas queriam adorar ao Senhor. Entretanto, fizeram isso dando uma festa para uma estátua (o bezerro de ouro). Deus com razão condenou a postura dos israelitas e deixou claro que o segundo mandamento não é meramente uma proibição à adoração dos deuses errados. Ele proíbe também a adoração do Deus verdadeiro da forma errada. Em outras palavras, a sinceridade ainda que necessária para o culto não torna a adoração aceitável. Não basta ser sincero é preciso ter entendimento. Portanto, a única maneira segura de adorar a Deus é por meio de sua vontade revelada. O princípio regulador nos protege de manchar o culto de adoração com ideias humanas idólatras. 


  1. O argumento da teologia (doutrina de Deus). 


João 4.24 Deus é espírito, e é necessário que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade.


Nessa passagem, Jesus corrige o conceito equivocado que a mulher samaritana tinha a respeito do lugar certo para a adoração – ela pensava que a adoração deveria ser em uma montanha específica. Jesus afirma que ela estava errada e ensina que os verdadeiros adoradores adoram em Espírito e em (por meio) verdade. O interessante é que Jesus não disse que Deus pode ser adorado de qualquer maneira, ao contrário, ele ensinou a maneira correta de adorar – existe uma forma certa e outra errada de adorar. 


Nossa adoração deve ser coerente com a natureza de Deus (Espírito) e corresponder à verdade revelada por ele. Tudo o que sabemos acerca da natureza e do caráter de Deus é porque ele nos revelou. Não deveríamos supor que somos capazes de adorar a Deus por conta própria – a parte de sua revelação. 


  1. O argumento das Escrituras. 


2 Timóteo 3.16 Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça, 17a fim de que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra.


O culto público de adoração do povo de Deus é uma das obras mais importantes para a qual Deus chamou os crentes a realizarem (Rm 12.1 e Hb 13.15). Uma vez que as Escrituras nos prepara para toda boa obra, isso quer dizer que não precisamos e não devemos sair da Palavra de Deus para descobrir maneiras novas de adorá-lo. 


Em termos simples, o princípio regulador é uma postura que evita que o planejamento do culto comece ponderando acerca do que gostaríamos de fazer? Ou o que melhor poderia tocar as pessoas? Antes, ele nos obriga a perguntar: o que Deus nos ordena a fazer quando estamos reunidos? 

Elementos, formas e circunstâncias 


Devemos fazer a distinção entre três termos fundamentais do culto: os elementos do culto, as formas e as circunstâncias. Vamos abordar cada um deles:


  • Os elementos do culto consistem em atividades que a Bíblia nos ordena a realizar na adoração comunitária. 


Na esteira da nossa herança protestante reformada, podemos resumir esses elementos em cinco tópicos: falar a Palavra, cantar a Palavra, orar a Palavra, pregar a Palavra e ver a Palavra. Estes elementos são inquestionáveis, inegociáveis e devem ser facilmente distinguidos em nossos cultos. 


  • As formas se referem à maneira pela qual tratamos os elementos do culto público de adoração. 


A leitura deve ser coletiva ou responsiva? A música deve ser entoada por uma banda ou coral? Os músicos podem usar qualquer instrumento ou não usar nenhum? As orações devem ser espontâneas ou escritas? Todas essas – e outras – são questões de forma e que não são tratadas diretamente pela Bíblia, logo, não devem ser tratadas no princípio regulador. Para responder a esses questionamentos as igrejas devem ser sábias e prudentes, buscando nos princípios gerais da Bíblia as respostas. 


  • Circunstâncias são aspectos práticos de como uma igreja organiza suas reuniões de adoração. 


Quando e onde deve acontecer o culto? Como as cadeiras serão dispostas? Qual a temperatura do ar condicionado? Trata-se de itens que dizem respeito a organização do culto e não às exigências bíblicas. O princípio regulador simplesmente não tem nada a ver com estes aspectos. 


Desse modo, o princípio regulador talvez não responda a todas as perguntas que temos sobre o culto. Esse não é o propósito. Em vez disso, o que ele ressalta é que Deus deixou registrado em sua Palavra as ideias principais de como nos relacionamos com ele no culto público de adoração. 


Conclusão


O princípio regulador não é um fim em si mesmo. Ele aponta para além dele mesmo, para o Deus que revelou em sua Palavra como seu povo deveria adorá-lo. Deus é glorificado quando abrimos mão de nossas preferências, desejos e vontades para oferecer sacrifícios de louvor unidos como um só corpo para testemunho das nações. 


















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